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  O Que Você Quer Ser Quando Crescer?
  Por Rhona Lewis  
 

“O que você quer ser quando crescer?” costumavam me perguntar.

“Cigana,” eu respondia com toda a certeza.

“Você não pode ser cigana”.

Eu queria vestir saias longas e usar arcos de ouro nas orelhas, morar num carroção amarelo e plantar papoulas vermelhas nos degraus da entrada do carroção. Eu queria ficar viajando e plantar pedaços de beleza onde parasse. Porém eles diziam que eu não podia ser cigana, portanto tive de achar outra coisa para ser.

Eu era uma boa menina, criada num regime de disciplina e estrutura inglesa.

“O que você quer ser quando crescer?” perguntavam-me.

“Aeromoça.” eu respondia suavemente.

“Uma garçonete melhorada,” zombavam eles. “Além disso, os aviões caem.”

Eu queria voar para terras exóticas, mas não queria morrer, portanto tive de encontrar outra coisa para ser.

“O que você quer ser quando crescer?” me perguntavam.

“Uma escritora?” eu perguntava de volta.

Eles me compraram livros para eu ler.

Nairobi, onde eu vivia quando criança, era fervilhante com culturas diferentes. Eu tinha um dom para idiomas e aprendi italiano, francês, alemão e claro, swahili. Então eles decidiram que eu deveria aproveitar o meu dom e me tornar tradutora, ou pelo menos professora de idiomas. Eu era uma boa menina, portanto concordei obedientemente; juntei meus sonhos de plantar belezas, de ficar vagando e os embrulhei cuidadosamente em papel crepom. Coloquei-os então num lugar onde a luz da esperança e o anseio pelo sonho jamais alcançam.

Fui para a universidade, consegui me formar em Inglês e Francês e tornei-me professora.

Após cinco anos parei de lecionar. Estava muito ocupada plantando gerânios vermelhos com meus filhos. Estava ocupada sendo uma garçonete melhorada servindo cereal no café da manhã, um almoço bem balanceado com salada e depois sanduíches de manteiga de amendoim para o jantar. Visitei terras repletas de alegria, de sofrimento e, às vezes, de alguma leve satisfação.

Um dia, quando meu dia e minha alma estavam repletos de crianças, meias que precisavam de consertos, cardápios que precisavam ser planejados e janelas que precisavam ser lavadas, pus tudo de lado e desenrolei o papel amarelado ao redor do meu sonho. Ainda estava brilhando.

Foi quando eu me lembrei: no Talmud, Rabi Yochanan nos diz que a partir do dia em que o Templo foi destruído, a profecia foi tirada dos Profetas e dada aos tolos e às crianças pequenas.

Lembrei-me de quando era criança; talvez agora eu fosse uma tola. Lembrei-me do meu sonho da infância, de ser escritora. Seria algum tipo de profecia? E se eu agora era mesmo uma tola, e sentia o mesmo desejo de modelar palavras em ideias, de semear gerânios nas mentes dos leitores, de dar-lhes inspiração, e levá-los a planícies espetaculares de emoção, então talvez eu pudesse seguir o caminho da minha profecia e viver meu sonho.

Pedi ao meu marido para me mostrar a chave “Liga” no computador de vinte anos de idade que ele sempre tinha se recusado a jogar fora. Alguns meses depois, comprei um computador usado com o dinheiro que ganhei do meu primeiro artigo.

Aprendi bem a minha lição e portanto nestes dias, escuto atentamente os pequenos profetas andando pela minha cozinha e comendo as maçãs que descasquei para a torta de maçã assim que as fatias caem na tigela. Escuto atentamente, porque eles ainda podem ouvir as vozes de suas almas ressoando.

Quando Gila diz que quer tocar órgão, compramos um para ela, embora meus talentos musicais nunca tenham passado de um “Londres está Ardendo” num gravador fanhoso.

Quando Yaacov diz que quer ser rabino, rezo para que ele tenha professores que façam a luz da Torá brilhar em seus olhos.

Quando Mordechai diz que quer ser baterista, compramos para ele um darbuka (um tambor). Afinal, precisamos proteger nossa audição, para podermos continuar a ouvir a voz da profecia ressoando dentro de nossas paredes.


Rhona Lewis
Nasceu e foi criada no Quênia. Fez aliyah em 1991 e agora vive em Beit Shemesh onde divide o tempo entre cuidar de sua grande família e escrever. Atualmente está trabalhando num livro de suas memórias.

 
 
       
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