Por Deena Yellin    
  Os dois melhores anos de minha vida  
índice
 
 

Tenho uma confissão a fazer. Meu mentor espiritual não é um rabino, um professor ou um erudito. Você diria que ele é um guia espiritual do tipo mais anti-convencional. Jovem demais para deixar crescer a barba, ele bebe muito, direto da garrafa. A maior parte de sua sabedoria é selecionada das obras do Dr. Seuss e de um certo dinossauro roxo. Ele é meu filho de dois anos. Sob sua tutela, eu tenho descoberto uma nova magia e espiritualidade na vida do dia-a-dia. Ele ensinou-me que espiritualidade não é algo impalpável, mas pode ser parte do mundano.

Na minha vida antiga, por exemplo, eu costumava acordar quase todas as manhãs batendo na tecla "soneca" do despertador, porque detestava começar o novo dia. Agora, pontualmente às 6 horas, ele tamborila até minha cama e agarra minha mão debaixo das cobertas. "Levanta agora!" grita ele animadamente enquanto tenta me puxar para fora da cama. Como um general do exército, ele proclama as ordens: "Mamãe pra fora!"

Pergunto-me se existe algum café no mundo que possa dar este tipo de impulso e provoque esta atitude matinal. Para meu filho, é impossível permanecer na cama quando um novo dia está surgindo. Cada nascer do sol fornece a oportunidade para novas explorações. Armado para a aventura com seu Elmo e copo de canudinho, as possibilidades são ilimitadas.

Houve uma época, muitos anos atrás, em que talvez eu tenha abordado a vida com um senso de entusiasmo similar. Mas em algum lugar ao longo da estrada, eu envelheci muito depressa e tornei-me estafada demais.

Comecei riscando os dias do calendário sem consideração. Iniciava o novo dia remanchando na cama em vez de saltar lepidamente. Porém o otimismo de meu filho tem-me feito refletir: se um menininho pode ficar tão empolgado com todo este imprevisível potencial de um novo dia, talvez também para mim o céu seja o limite.

Lembro-me de quando me apressava durante as tarefas de rotina num passo de maratona, alheia às pessoas e objetos ao meu redor. Agora, com meu filho a tiracolo, até a saída mais rápida até o correio ou armazém foi transformada. Uma pequena incumbência é mais como uma jornada espiritual a ser saboreada. Ele me ensinou a examinar cada pétala de flor cuidadosamente, a extasiar-me com os aviões passando lá em cima e a transformar estranhos em amigos, com um cumprimento sincero e um sorriso cheio de dentes.

Ao flanar pelo bairro nos calcanhares de meu filho, estou descobrindo coisas que jamais percebi: que até mesmo cães de aparência assustadora podem ser amigáveis, que um carro que desce a rua roncando é um milagre, e se você olhar bem de perto, um dente-de-leão é até bonito.

No Shabat, ele me lembra que aquele dia de repouso é um presente que reúne a família e nos aproxima mais de nossa comunidade. Sabendo que nossa observância do Shabat ficará embebida em sua consciência, de repente encontro-me prestando mais atenção aos detalhes da preparação do Shabat.

Ansiosa por enfatizar a importância do dia, certifiquei-me de que meus candelabros fossem polidos até faiscarem, e que o aroma da chalá recém-assada enchesse nosso lar nas tardes de sexta-feira. Meu marido e eu não mais nos apressamos durante os rituais de Shabat quando estamos cansados. Em vez disso, erguemos nossa voz em canções e batemos palmas. Quando meu filho pula da cadeira e começa a dançar, meu marido e eu nos juntamos a ele. Quando formamos um círculo na sala de jantar, percebo que as chamas das velas de Shabat também estão dançando, e sinto a presença da Rainha Shabat sorrindo para nós.

Minha rotina nas manhãs de sábado também foi alterada. Em vez de me enroscar com um livro ou aparecer na sinagoga numa hora elegantemente tardia, chego mais cedo. Não tenho escolha, porque meu filho me apressa com gritos de "Beijar a Torá!" Todos os anos de cutucadas de meus pais nunca me levaram tão cedo aos serviços. Em nossa sinagoga, ele tem seu próprio estilo de reverência, preferindo ficar de pé quando a congregação está sentada e sentando-se quando todos estão de pé. Quando o cantor entoa algum cântico, ele canta junto, mas em seu próprio tom. Ele se pavoneia até a Arca para beijar a Torá, que contempla com todo o respeito geralmente reservado aos Teletubbies.

Ensinar nossos filhos a seguir a Lei Judaica não é uma questão simples. Porém ainda mais complexa é a questão de como transmitir o sabor e a textura do estilo de vida judaico juntamente com os rituais. Tendo lido todos os livros de aconselhamento para pais, do Dr. Spock até "O que Esperar," estou bem consciente das preocupações típicas da maternidade — tal como conseguir que a criança coma alimentos saudáveis. Porém o que mais me preocupava era como eu iria nutrir o espírito de meu filho.

Até agora, o espírito dele parece estar nutrindo seus pais, a quem ele inadvertidamente empurrou ao caminho da espiritualidade. Através de seu exemplo, ele despertou em nós a necessidade de sentir a vida de maneira mais profunda e mais vívida. Além de dar a mim e a meu marido um senso de continuidade como nosso mensageiro rumo ao futuro, ele tem retribuído nosso presente. Nós lhe demos o dom da vida. Mas ele tem nos ensinado a viver.

Obrigada, meu filho.

Deena Yellin é repórter do The Record no Condado de Bergen, New Jersey.

   
top