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  Mais do que Palavras
  Por Debby Phillips  
 

Se você tivesse me perguntado há cerca de um mês como um dos meus filhos era na idade do jardim de infância, eu teria respondido que ele era difícil. As lembranças são sempre um pouco nubladas e os detalhes específicos me fugiam, mas a tensão que eu sentia era real e eu acreditava ter sido, sem dúvida, sobre ele. Passaram-se os anos, experiências felizes foram compartilhadas, a tensão há muito desapareceu e foi substituída por uma boa conexão. Jamais pensei naqueles anos difíceis, nem refleti sobre eles. Apagou-se a ideia de ele ter sido um “garoto difícil” antes de crescer; tudo se tornou uma piada desconfortável.
Até uma certa tarde de Shabat...


Aqueles anos difíceis não foram o produto de uma criança difícil. Foram o produto do meu afastamento. Eu estava olhando algumas fotos antigas nos álbuns com alguns dos meus outros filhos. Rimos ao ver penteados e óculos fora de moda, ficamos com os olhos úmidos ao ver parentes e amigos que não estão mais conosco. E então, surgiu uma página que me ofereceu um doloroso vislumbre daquilo que eu jamais soube que tinha sido uma dura realidade.

Eram três fotos da formatura de meu filho na pré-escola, ele parecendo esperançoso e de certa forma orgulhoso em sua capa com borlas. Esperançoso, porque estava sentado muito perto de mim na primeira foto, obviamente faminto e apoiado em mim ansioso por algum contato, alguma atenção merecida por ser o astro do dia. Ele não conseguiu isso.

Eu estava inclinada para o outro lado, um braço sobre a minha mãe de um lado, o outro apertado ao redor de um irmão no meu colo. Na segunda foto ele está imóvel com um olhar ansioso, mas com os ombros um pouco curvados, um traço de abandono evidente em seus lindos olhos. Ele ainda estava inclinado, e eu ainda virada para o outro lado.

Porém na terceira foto ele tem os braços cruzados, o corpo ereto. Aquele olhar de “garoto durão” – ou estaria apenas triste? Eu ainda estava na mesma pose, indiferente ao seu desapontamento. E foi quando aquilo me atingiu. Eu não tinha percebido nada, o tempo todo.

Lampejos de outras situações semelhantes me vieram à mente. Não sentá-lo no meu colo quando ele queria estar ali. Um seco “Vamos! Hora de se mexer!” seguido por colocá-lo no chão, sua cabeça ainda aninhada no meu peito. Não sorrir o suficiente. Não brincar o suficiente. Ser severa, presumindo o pior quando isso era infundado. Notar seu olhar ferido, mas fazendo força para não vê-lo. Aqueles anos difíceis não foram o produto de uma criança difícil. Foram o produto do meu afastamento.

Chorei ao ver aquelas fotos e fui assombrada por elas durante todo o Shabat e ainda depois. Meu filho telefonou, como sempre, depois do Shabat, ansioso por conectar-se e expressar seu amor. Eu fiquei envergonhada por ouvir a bondade em sua voz. Era mais uma prova de sua inocência, sua doçura… e minha culpa. Era preciso haver uma conversa, eu sabia, mas teria de ocorrer pessoalmente.

Cada telefonema parecia forçado. Eu queria tanto falar com ele sobre a minha epifania, abraçá-lo. Encostar-me nele.

Da próxima vez que ele veio, eu tive a chance. Estávamos dando um passeio, seu sorriso e sua companhia maravilhosos como sempre (bem, nem sempre), e segurei a mão dele. Foi uma desculpa emocional. As fotos, a realidade checada, meu pedido mais profundo e sincero de perdão. Ele apertou minha mão e olhou dentro dos meus olhos. “Claro que te perdoo, Mamãe. Não foi culpa sua. Provavelmente eu não era fácil.” Abraçou-me, mais apertado do que nunca. Discordei. Balancei. E me encostei.

Uma foto, assim parece, oferece mais que mil palavras. Oferece segundas chances.

 
 
       
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