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Pergunta:
Desculpe-me por não poder mais frequentar as aulas. Ainda sinto
que uma vida judaica observante é a maneira certa, mas pessoalmente
não posso lidar com isso. Por mais que eu faça, sinto que
não é o suficiente. Há sempre algo que é deixado
de fora ou que não faço corretamente. Sinto-me como se o
Judaísmo tivesse me encaixotado, e quero sair da caixa.
Resposta:
Quando você me disse que queria tornar sua cozinha casher, eu disse:
“Vamos fazer isso passo a passo. Primeiro, comece comprando apenas
alimentos casher e mantendo carne e leite separados. Quando estiver à
vontade com isso, daqui a alguns meses, veremos o que tem de ser feito
na cozinha.”
Você queria convidar pessoas à sua casa para servir-lhes
uma refeição casher no Shabat. Eu lhe disse para esperar
alguns meses até que se sentisse à vontade.
Quando você me disse que tinha começado a observar o Shabat
e queria aprender todos os detalhes, eu lhe disse para ir devagar. “Primeiro
sinta-se à vontade e familiarizado com as coisas básicas.
Depois que estiver fazendo isso por algum tempo, faremos algo a mais,
daremos mais um passo.”
Você me comentou que outras pessoas estavam dizendo que você
estava fazendo isso da maneira errada. E eu lhe respondi: “Diga
a elas que neste momento você está fazendo o básico,
e no decorrer do tempo chegará também aos detalhes.”
O mesmo com a sua maneira de vestir-se, as preces que recita todo dia,
a quantidade que estuda diariamente – eu tentei com todas essas
coisas para conseguir que você entrasse no próprio ritmo,
para seguir adiante deliberadamente e com firmeza. Por quê? Porque
eu não queria que você se sentisse encaixotado.
Não, não numa caixa, mas pouco à vontade, com roupas
pesadas; como um ciclista novato, com cada apetrecho da corrida numa mochila
enorme pendendo sobre camadas de objetos da última moda em aparelhagem
de corrida – e quase incapaz de pedalar um metro.
Entendo por que você fez as coisas dessa maneira. Você vê
os outros lidando com todo o aparato das mitsvot com aparente facilidade.
Está empolgado, e no seu entusiasmo não vê por que
deveria ficar mais abaixo que eles na escada.
Talvez também não veja por que não pode ir ainda
mais depressa que eles.
Antes de mais nada, deixe-me dizer-lhe algo sobre escadas: quando se trata
de manter Torá, a altura da escada é irrelevante. Não
se trata da altura que você sobe, mas em qual direção
está se movendo. O cara no topo que escorrega para baixo está
numa altura inferior do que o sujeito que se agarra no primeiro degrau.
Há uma linha no Talmud que diz: “D'us não planeja
contra Suas criaturas.”1 Ele não está lá para
apanhar você. Ele lhe pergunta o que você é capaz de
realizar agora, segundo o ponto em que você está na vida
agora mesmo. Você não é avaliado segundo Moshê
ou Rabi Shimon bar Yochai ou o Baal Shem Tov. Você é avaliado
pelas próprias capacidades, como é, e nada mais.
Você dirá: “Mas o sujeito na base não está
fazendo tudo que deveria fazer!” Dê uma olhada no Código
da Lei Judaica! Ele está pecando direto!”
Isso não é verdade. Desde que ele esteja se movendo para
cima, ao seu ritmo, e tenha o básico consigo mesmo, ele é
um judeu íntegro fazendo tudo que D'us espera dele. É somente
quando ele começa a se apressar que pode perder aquele status –
porque ao se apressar, ele coloca em risco tudo que já conseguiu
conquistar até agora.
É na verdade uma halachá: um judeu não pode possuir
pão fermentado em Pêssach. E se ele descobrir no meio de
Pêssach que tem algum pão fermentado em sua casa? Todo momento
em que ele não está ocupado se livrando daquele pão,
ele está quebrando Pêssach. Mas desde que ele esteja envolvido
em isolar o pão e destruí-lo, tudo está certo.
O mesmo ocorre em seu caso: desde que você esteja subindo, aceitando
aquilo que pode passo a passo, está OK, 100%. De fato, você
está mais alto que o sujeito que tem feito isso a vida toda, tem
cada detalhe no bolso, e não subiu durante dois dias seguidos.
Ele também precisa estar sempre subindo, com passos pelo menos
do tamanho dos seus a cada dia.
Em segundo lugar, vamos distinguir entre aspirações e expectativas.
Aspire sempre mais do que pode atingir. Se você é um saltador,
almeje o mais alto; se é um corredor, almeje a maior velocidade.
Se você é um judeu, almeje ser tão magnífico
quanto Abraham, seu pai, tão puro quanto Sarah, sua mãe.
Isso é bom, é saudável, é a maneira de seguir
em frente. O que não é saudável é quando você
começa a esperar aquelas coisas de si mesmo, quando se chuta por
não estar ali. As aspirações são boas; as
expectativas são puro ego.
Quando você quer que o seu GPS leve você a algum lugar, a
primeira coisa que precisa é saber onde está nesse exato
momento. Agora você está bem aqui.
Você, com toda a sua bagagem, seus hábitos bons e maus, suas
experiências de vida e as atitudes que as causaram; as lembranças
que jamais sairão da sua mente, para o melhor e para o pior; seus
talentos que devem todos ser usados agora na direção certa;
sua maravilhosa imaginação que pode ser dirigida para criar
coisas lindas para benefício de todos; você com todas as
limitações que vêm com a vida no planeta terra para
um ser humano.
Há dias em que você pode voar alto. Há dias em que
você pode dizer: “Ei, estou por cima, estou vestido.”
Quando você sabe onde está, e como na verdade é pequeno,
então todo passo para a frente é um grande salto. Até
os escorregões se tornam parte da subida – porque você
diz: “Sei onde estou, e não é surpresa que irei cometer
erros de vez em quando. Agora deixe-me aprender com aquilo e voltar para
a escada.”
Celebre cada mitsvá que cumprir, e nenhuma delas se parecerá
com uma caixa. O Criador do universo celebrará com você.
Isso é tudo que Ele realmente quer de você – cumprir
aquelas mitsvot com alegria, com vida, com todo o seu ser.
E esta é a maneira de você seguir em frente, celebrando cada
avanço como uma criança celebra seus primeiros passos, da
maneira que você se sentiu quando pela primeira vez andou de bicicleta,
sem as rodinhas de treinamento.
De que vale fazer mitsvot como um grande comerciante, comprando todo o
mercado, se nenhuma delas se torna parte de quem você é,
como um bom sapato se molda à sua sola? É aquele saborear,
aquela celebração, é como tudo isso penetra nos seus
ossos. É como você adquire posse de sua nova maneira de viver,
para que possa construir um lindo lar e uma bela família.
Então não há caixas, somente mais e mais motivos
para celebração.
Vamos trabalhar juntos num plano razoável. Trabalharemos aquilo
que você deveria estar fazendo agora, e aquilo que não deveria
estar fazendo – ainda.
Vamos falar sobre o básico: regras básicas do Shabat, o
básico em comida casher, assuntos básicos entre marido e
mulher. Vamos começar tudo de novo do princípio, dessa vez
pra valer.
Notas:
1 – Avodah Zarah 3 a.
Rabino Tzvi Freeman – dirige a equipe Chabad.org
Pergunte ao Rabino, e é membro da equipe editorial Chabad.org. É
autor de “Trazendo o céu para a Terra”. |