Pergunta:
O Judaísmo é uma “religião”? O termo
“judeu não-religioso” é uma contradição?
Pode alguém ainda ser judeu sem observar os editos e ética
da Torá na vida cotidiana?
Resposta:
Os judeus desafiam todas as definições de “povo”
ou “nação”. Carecemos de uma raça,
cultura ou experiência histórica em comum. Embora todos
compartilhemos nossos direitos eternos à Terra de Israel, durante
todos, exceto alguns poucos séculos dos últimos 4.000
anos a esmagadora maioria dos judeus não viveu ou sequer colocou
o pé no pais judaico.
No decorrer de nossos 3.300 anos de história, o que nos tem definido
como judeus é um relacionamento e compromisso. Somos judeus porque
D'us nos escolheu para sermos Seu “tesouro querido entre todas
as nações… um reino de sacerdotes e um povo sagrado”
(Shemot 19:5-6). Somos judeus porque D'us nos escolheu para desempenharmos
o papel principal na implementação de Seu objetivo na
criação: orientar nossas vidas de acordo com Sua vontade,
e desenvolver uma sociedade que reflete Sua bondade e perfeição.
A substância desse relacionamento, o rumo desse compromisso, é
a Torá. A Torá é o conceito de D'us da realidade
comunicada ao homem, o projeto que descreve o mundo aperfeiçoado
visualizado pelo Criador e detalha a maneira pela qual o Inventor da
Vida deseja que seja vivida.
Isso poderia parecer definir nosso Judaísmo como uma “religião”;
somos judeus porque aderimos às crenças e práticas
ordenadas pela Torá. Porém a própria Torá
diz que não é assim.
A Torá proclama (Vayicrá 16:16) que D'us “habita
entre eles em meio às suas impurezas” – que Seu relacionamento
com Seu povo permanece incólume apesar do comportamento deles.
Nas palavras do Talmud (Sanhedrin 44a): “Um judeu, embora tenha
transgredido, é um judeu.”
Segundo a Lei da Torá, o Judaísmo de uma pessoa não
é uma questão de estilo de vida ou auto-percepção:
a pessoa pode estar totalmente não cônscia do próprio
Judaísmo e ainda ser um judeu, ou pode considerar-se judeu, observar
todos os preceitos da Torá e ainda assim não ser um judeu.
Em outras palavras, é o relacionamento entre o judeu e seu Criador
que define seu Judaísmo – não seu reconhecimento
da relação ou sua percepção dela na vida
diária. Não é o cumprimento das mitsvot (mandamentos
Divinos) que faz dele um judeu, mas o compromisso que essas mitsvot
representam.
A Essência de uma Transgressão
Este é o significado mais profundo do axioma “Um judeu,
embora tenha transgredido, é um judeu.”
O simples significado dessas palavras é que um judeu ainda é
um judeu apesar de suas transgressões. Um não-judeu que
come chamets (pão fermentado) em Pêssach nada fez de errado;
da mesma forma, se comer matsá na noite do Seder isso não
tem importância moral ou espiritual. Porém para um judeu,
as mitsvot de Pêssach são um componente de seu relacionamento
com D'us: ao observá-las, ele está percebendo este relacionamento
e estendendo-o à sua vida diária; se ele as violar, D'us
não o permita, ele está transgredindo – está
agindo de modo contrário ao compromisso que define sua identidade.
Assim, de certo modo, o fato da transgressão de um judeu é
não menos uma expressão (embora negativa) de seu relacionamento
com D'us que seu cumprimento de uma mitsvá.
Na verdade, a palavra hebraica mitsvá significa tanto “mandamento”
quando “conexão”. O relacionamento entre os dois
significados da palavra pode também ser entendido em dois níveis.
No nível comportamental, nos conectamos a D'us através
de nosso cumprimento de Seus mandamentos. Num nível mais profundo,
estamos inexoravelmente conectados a Ele em virtude do fato de que Ele
nos escolheu como objeto de Seus mandamentos. Obviamente, estes dois
níveis de conexão são dois lados da mesma moeda,
cada um sendo a mesma verdade: nossa observância das mitsvot é
a manifestação, em nossa vida diária, de nosso
vínculo intrínseco entre D'us e Israel.
O Elo Com Seis Dimensões
O Zohar, a obra básica da Cabalá, expressa este conceito
da seguinte maneira:
Há três conexões (kishrin) que são ligadas
entre si: D'us, a Torá e Israel – cada qual consistindo
de um nível sobre um nível, oculto e revelado. Há
o aspecto oculto de D'us, e o aspecto revelado; a Torá, também,
tem um aspecto revelado e um oculto; e o mesmo ocorre com Israel, que
também tem aspectos revelado e oculto.
O Zohar prossegue e descreve a maneira pela qual a Torá serve
como o elo entre D'us e Israel: como a Torá é uma com
seu Divino Autor, e como o povo judeu se conecta à Torá
através de estudo e observância de seus ensinamentos.
Mas quais são os elementos “ocultos” e “revelados”
de D'us, da Torá e de Israel? E qual é sua relevância
à nossa conexão com D'us através de Sua Torá?
O Zohar diz que essas três “conexões” estão
interligadas em dois níveis, tanto no plano “oculto”
quando no “revelado”. Pois cada um dos três elos interconectados
possui tanto uma dimensão explícita quanto uma implícita.
Existe o assim chamado aspecto “revelado” de D'us –
aquelas expressões de Sua realidade que Ele escolhe manifestar
na existência criada; e há Sua essência “oculta,
incognoscível. O judeu, também, tem seu ser revelado e
manifesto – a maneira pela qual ele se expressa através
de seu comportamento, e seu ser oculto, quintessencial. E a Torá,
como foi delineado acima, tem tanto um significado mais pronunciado
quanto um mais implícito como o elo que conecta D'us e Israel.
No plano “oculto”, a alma do judeu é ligada à
própria essência de D'us através do relacionamento
subjacente e o compromisso que a Torá representa. Mesmo se a
vida do judeu, no nível comportamental consciente, for inconsistente
com a vontade revelada do Todo Poderoso, ele não é “menos”
judeu, D'us não o permita; seja como for, o vínculo intrínseco
que define seu Judaísmo não é afetado. Porém
para expressar esse relacionamento em todos os níveis de seu
ser, a fim de alinhar sua vida com a sua essência, o judeu deve
reiterar a conexão no nível “revelado”. Ele/ela
faz isso estudando a Torá de D'us e cumprindo suas mitsvot.
A Terceira Junção
Há, no entanto, um significado ainda mais profundo nas palavras
do Zohar.
A passagem acima citada fala de “três conexões que
estão ligadas entre si”. A palavra aramaica traduzida aqui
como “conexões” é kishrin, que literalmente
significa “nós”.
À primeira vista, este parece ser um uso pouco acurado. Se a
Torá é o elo entre D'us e Israel, então o que temos
são três entidades (D'us, Torá e Israel) ligadas
através de duas conexões (a conexão de Israel à
Torá e a conexão da Torá com o Todo Poderoso).
Onde temos três nós/conexões?
Isso nos leva a uma segunda definição das dimensões
“oculta” e “revelada” do relacionamento entre
D'us e Israel. O Midrash declara:
Duas coisas precederam a criação do mundo feita por
D'us: Torá e Israel. Apesar disso, eu não sei qual precedeu
qual. Porém quando a Torá declara “Fala com os Filhos
de Israel…” , “Ordena aos Filhos de Israel…”
e assim por diante, eu sei que Israel precedeu tudo (Tana D'vei Eliyahu
Rabba, cap. 14).
Em outras palavras, D'us criou o mundo para que Israel pudesse implementar
Seu plano Divino para a existência, conforme delineado na Torá.
Portanto os conceitos de “Israel” e “Torá”
ambos precedem o conceito de um “mundo” na “mente”
do Criador. Porém qual é a ideia mais profundamente enraizada
dentro da consciência Divina, Torá ou Israel? Israel existe
para que a Torá seja implementada, ou a Torá existe para
servir ao judeu no cumprimento de sua missão e na expressão
de seu relacionamento com D'us? Se a Torá descreve a si mesma
como uma comunicação com Israel – o Midrash assim
diz – isso presume o conceito de “Israel” como anterior
àquele da “Torá”.
Isso significa que o relacionamento com Israel “pré-data”
a Torá (no sentido conceitual), pois a Torá vem para servir
àquele relacionamento. Neste sentido,, Israel é o “elo”
entre a Torá e D'us: a existência da Torá como incorporação
da Divna sabedoria e vontade é um resultado da existência
de Israel e sua conexão com D'us.
Assim, temos três conexões ligando D'us, Israel e a Torá.
No nível revelado, a Torá serve como o elo entre D'us
e Israel; a Torá está conectada a D'us, e Israel é
comectado à Torá. (Isso inclui ambos os níveis
de conexão delineados acima – a conexão atingida
através do cumprimento de uma mitsvá e a conexão
definida pelo compromisso em si).
Porém num nível mais profundo, quintessencial, existe
uma terceira conexão: a conexão “direta” entre
D'us e Seu povo que precede o próprio conceito de uma Torá.
Nesse nível, o envolvimento de Israel na Torá é
o que conecta a Torá a D'us – o que O faz estender Seu
ser infinito e indefinível num meio de “Divina Sabedoria”
e “Divina Vontade”. Nesse nível, não é
o judeu que precisa da Torá a fim de ser um com D'us, mas a Torá
que “precisa” do judeu para evocar o desejo de D'us projetar-Se
através da Torá.
Apesar disso, a Torá é crucial para o relacionamento do
judeu com D'us. A essência do judeu, como está enraizada
dentro da essência de D'us, é de fato uma com sua Fonte.
Porém então ela “desce” para se tornar parte
da existência criada, assumindo uma identidade distinta como alma
e então como ser humano. Portanto D'us dotou o judeu com Sua
Torá. Através da Torá, o judeu faz contato com
o seu ser quintessencial e faz seu vínculo intrínseco
com seu Criador uma realidade em sua vida diária.