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Sabe-se que não
há uma palavra em hebraico para história.
(O moderno equivalente hebraico para “historia” é uma
palavra tirada do inglês, “history”, que foi pinçada
do grego “historia”. Tudo que vai termina por voltar…)
A falta de uma palavra tão vital como “história”
para qualquer nação é chocante. Talvez seja porque
não existe isso de história no Judaísmo.
Zikaron (memória), no entanto, um primo distante de história,
aparece com destaque na linguagem e pensamento bíblicos. Vai muito
além da semântica, indo direto no âmago da percepção
judaica do passado.
Veja, no inglês “history” pode ser visualizado como
“his-story” a história dele, não a minha. As
primeiras duas letras de “memory”, porém, referem-se
a mim (“me”, em inglês). Sem mim não há
memória. A memória é parte de mim, e história
– separada de mim. Veja de maneira diferente: A História
é feita de datos objetivos, e a memória de experiência
subjetiva.
Como você deve ter adivinhado, o Judaísmo está menos
interessado em fatos objetivos que em experiências emocionantes.
É por este motivo que grande parte da tradição judaica
e seu ritual se apoie em reenceneção. Não apenas
comemoramos, nós celebramos. Não apenas relatamos a história
de outra pessoa, nós revivemos a nossa.
Alguns exemplos:
Grande parte do ritual do Seder de Pêssach visa a estimular sensações
de escravidão e amargura (ex., a água salgada, ervas amargas,
o pão do pobre –matsá – e assim por diante),
bem como realeza e liberdade (quatro copos de vinho, recostar-se em almofadas
e outros).
De fato, em algumas comunidades judaicas, a sétima noite de Pêssach
(a noite em que o mar se abriu para os judeus) encontra muitos que caminham
em caçambas de água para recriar aquele evento.
Em Shavuot ficamos acordados a noite inteira em antecipação
à Outorga da Torá pela manhã, e as crianças
são levadas à sinagoga para escutarem a leitura dos Dez
Mandamentos.
Na verdade, o Judaísmo ensina que, em alma, estivemos todos presentes
no Sinai.1 Cada um de nós encontrou D'us pessoalmente. Por isso,
D'us não é apenas o D'us de nossos ancestrais, Ele é
nosso D'us. Não é apenas o D'us de quem ouvimos falar, mas
o D'us de quem ouvimos a voz.
A Divina revelação no Sinai portanto se distingue de qualquer
outra revelação descrita em outras tradições
religiosas. Importante para outras religiões é a crença
de que D'us jamais Se mostra às massas, a uma comunidade de pessoas
comuns. Ele fala somente com o Profeta, que é merecedor da comunhão
Divina. Cabe ao rebanho confiar implicitamente na narrativa da revelação
feita pelo seu pastor. Não é assim no Judaísmo, que
afirma que, de fato, a maior revelação Divina de todos os
tempos foi acessível tanto ao servo quanto a Moshê.
Além disso, até quando Ele falava com uma nação
de milhões, D'us se dirigia a cada um pessoalmente. Como ensinam
nossos Sábios, em Suas palavras iniciais no Sinai, “Eu sou
o Eterno teu D'us”, D'us escolheu usar a forma singular de “teu”
(elokecha) – em vez da forma plural, “vosso” (elokeichem).
Este foi um dos maiores presentes que D'us concedeu ao nosso povo, incluir
todos nós na aparição no Sinai, pois isso transformou
o evento mais importante de nossa nação numa lembrança
viva, em oposição a uma lição sem vida na
história.
Seguindo para o Nove de Av, o dia em que o Templo Sagrado foi destruído
há milhares de anos e um dia nacional de luto – seus costumes
incluem comer ovos mergulhados em cinzas (pouco antes do jejum), sentando
em bancos baixos, não usar sapatos de couro, jejuar e lamentar
como se tivesse acontecido ontem.
Chega Sucot, e nos mudamos para cabanas durante uma semana para relembrar
as tendas em que vivemos durante nossa jornada pelo deserto. Como uma
máquina do tempo figurativa, a sucá nos transporta àquela
viagem distante e formativa. E a lista continua.
O importante é que lembrar é grande parte da nossa tradição.
A discussão a seguir procura esclarecer até que ponto é
grande.
O Final
“Hoje eu tenho cento e vinte anos de idade,” começa
a última homilia de Moshê. “Não consigo mais
liderar vocês…”
O fim está próximo, ou está aqui.
“Seja forte e corajoso… Não tenha medo… pois
D'us está indo com você…”2
Essas frases comoventes, e a época em que foram ditas, ajuda a
montar o cenário e a entender o estado de espírito do último
discurso feito por um líder altruísta à sua (não
tão altruísta) congregação.
E essas são as palavras com as quais ele os deixa:
“Ao final de sete anos… durante a festa no dia de Sucot, quando
todo Israel vier perante D'us, no local que Ele escolherá, o rei
deve ler a Torá perante todos de Israel. Reúna o povo, homens,
mulheres e crianças, e os convertidos em suas cidades, para que
escutem e para que aprendam e eles deverão temer a D'us…”3
As declarações finais de Moshê ao seu povo delinearam
a mitsvá de Hakhel, o mandamento obrigando todos os judeus a se
reunirem a cada sete anos no Templo Sagrado para ouvirem trechos da Torá
sendo lidos pelo rei judeu.
Então, após Moshê falar com o povo, D'us tem uma conversa
final 4 com ele:
“Em breve você vai se deitar com seus pais. Esta nação
se erguerá e desejará seguir os deuses do povo da terra
à qual estão indo. Eles Me abandonarão e violarão
o pacto que Eu fiz com eles…
“Agora, escrevam para si mesmos essa canção…”
Qual canção, nos perguntamos, e como uma canção
poderia parar os judeus de se assimilarem?
Maimônides explica:
“É um mandamento positivo para todo homem judeu escrever
um Rolo de Torá por si mesmo, como declara o versículo:
‘Agora escrevam para si mesmos essa canção,’
o que significa dizer: ‘escrevam para si mesmos uma Torá
que contém essa canção…’”5
Essa mitsvá, para cada indivíduo escrever seu próprio
Rolo de Torá, é a 613ª mitsvá, a final, a ser registrada
na Torá. É o tema da última conversa entre D'us e
Moshê que dizia respeito ao povo. Deve de alguma forma conter uma
receita para a sobrevivência judaica, um antídoto para a
assimilação.
Mas o que poderia ser?
A única preocupação na mente de Moshê naquele
dia, e mais tarde ecoada por D'us na conversa deles, era o futuro dessa
frágil nação – um futuro que se tornaria menos
róseo com o tempo, oferecendo terrível perseguição
bem como progressivos desafios religiosos.
A solução sugerida tanto por D'us quanto por Moshê
foi a mesma:
Se o Judaísmo fosse ensinado como uma experiência viva, teria
uma vida duradoura; se fosse ensinado como um assunto morto, porém,
ficaria – D'us não o permita – sujeito à morte.
Tanto a mitsvá de Hakhel quanto a de escrever um Rolo de Torá
foram estabelecidas para transformar o prospecto anterior em realidade.
Hakhel era a reencenação do Sinai. Eis como Maimônides
o descreve:
“Eles preparariam seus corações e alertariam seus
ouvidos para ouvir com temor e reverência e com trêmulo júbilo,
como o dia [em que a Torá] foi outorgada no Sinai… como se
a Torá estivesse sendo ordenada a eles agora, e eles a estivessem
ouvindo da boca do Todo Poderoso…”6
Isso poderia explicar por que de todos os mandamentos bíblicos,
Hakhel se destaca sozinho em obrigar (pais a levar seus) filhos,7 incluindo
aqueles pequenos demais para andar e sem capacidade de compreender, sentir
ou avaliar o que estava ocorrendo à volta deles?
Porém a experiência de Hakhel não era apenas sobre
a mente, era sobre a alma; desencadeou o subconsciente, não apenas
o consciente. Assim, as crianças, que possuem alma tanto quanto
os adultos, estavam presentes. Em algum lugar da sua psique eles revivenciaram
o Sinai.
Isso explica também por que até os sábios mais notáveis
estavam presentes quando o rei leu a Torá, embora eles fossem fluentes
naquilo que seria lido. Pois essa não era uma palestra ou um simples
curso, era uma viagem.
Por uma razão semelhante não foi o erudito mais proficiente
que leu a Torá, mas o rei, “pois o rei é um agente
para fazer as palavras de D'us serem ouvidas”.8
Uma classe é mais bem ensinada por um professor experiente. A reverência
do Sinai é mais bem reencenada através da palavra de um
rei poderoso.
Em resumo, Hakhel foi a reencenação comunal do Sinai; tornou
as coisas reais novamente.
Mas enquanto aquilo funcionou em Jerusalém, no Templo Sagrado,
uma vez a cada sete anos, como os outros seis anos, fora de Jerusalém,
e o dia em que nossa nação estivesse sem um Templo, poderiam
conter Judaísmo vivo?
Por este motivo D'us nos deu a mitsvá de escrever um Rolo de Torá,
para ser escrito e guardado dentro da casa da pessoa, onde quer que viva
e cujo propósito é recriar o Divino encontro pessoal que
cada um de nós vivenciou no Sinai.
Maimônides não poderia ter explicado melhor quando disse
que quando “uma pessoa escreve uma Torá com sua própria
mão, é como se a tivesse recebido no Monte Sinai…”
Assim, a frase de Moshê não poderia ter sido mais apropriada
e útil naquele momento histórico. Tanto as mitsvot que ele
transmitiu quanto as ideias que elas representavam foram suas últimas
e melhores palavras de conselho a um povo que enfrentava grandes incertezas.
Faça mais que estudar Torá e cumprir mitsvot. Viva-as, ingira-as
e as digira, vivencie-as – e elas continuarão vivas.9
O que me espera?
Estamos perdendo números, e depressa.
Atualmente, 72% dos judeus americanos (não-observantes) celebram
casamentos mistos.10 A maioria desses infelizmente jamais recebeu uma
educação judaica, Este é o problema número
um.
Alguns deles receberam, porém, o que é o problema número
dois.
Se quisermos nos comunicar com os jovens de hoje, devemos mudar nosso
foco educacional do conhecimento judaico para a experiência judaica
– o Judaísmo como estilo de vida e não (apenas) um
tópico para discutir ou um papel.
Quantas vezes tenho ouvido alguém que recentemente vivenciou um
Shabat, uma festa judaica, ou um estudo apaixonado dizer: “Gosto
disso, isto me toca, não posso viver sem isto!”
Talvez seja porque pela primeira vez na vida eles tenham se engajado no
Judaísmo vivo, não no Judaísmo de laboratório.
Ou talvez tenha sido a primeira vez que eles sentiram que o Judaísmo
não era a história de outra pessoa, mas a sua própria.
Notas:
1 – Veja Pirkei de Rabi Elazar cap. 41;
Midrash Rabbá, Shemot 28:6.
2 – Devarim 31:2, 6.
3 – Ibid, 31:10-12. Segundo o comentarista bíblico Abarbanel,
o versículo 31:30 descreve um discurso feito por Moshê aos
representantes de Israel, mas o povo não estava presente.
4 – Ibid. 31:16-19. Suas conversas depois (ex. 32:48 e além)
eram logísticas e continham algumas declarações finais,
mas não eram pertinentes à sua liderança do povo.
5 – Leis de um Rolo de Torá 7:1.
6 – Leis das Oferendas das Festas 3:6.
7 – Veja Talmud Kidushin 34 b: “Crianças são
obrigadas na mitsvá de Hakhel”.
8 – Leis das Oferendas das Festas 3:6.
9 – Baseado nos ensinamentos do Rebe, registrado em Licutê
Sichot, vol. 34.
10 –Veja mais em http://www.simpletoremember.com/articles/a/intermarriagewhynot/
Rabino Mendel viajou pela Europa,
Ásia e América do Sul, contactando judeus nas áreas
mais remotas. Ele agora reside com sua esposa Chana e seus filhos no Brooklyn.
NY, onde atua como Rabino no Besht Center, um centro espiritual para jovens
profissionais. Mendel contribui regularmente com artigos para Chabad.org,
e a maioria deles aparece em sua coluna de Parashá: “What
the Rebbe Taught Me” (O Que o Rebe me Ensinou).
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