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  Ô meu, o que são estas franjas?
  Por Steve Hyatt
 

Se você nunca experimentou uma celebração de Simchat Torá num Centro de Chabad, então perdeu uma das maiores experiências da vida. Cantar, dançar com a Torá e alguns L’chayim são apenas algumas das atividades que fazem de Simchat Torá um feriado para relembrar.

É uma tradição no Chabad de Delaware que cada participante se comprometa com alguma mitsvá no decorrer das festividades. Na celebração deste ano, eu me comprometi de usar tsitsit, também conhecido como talit catan, um mini talit que um judeu religioso usa debaixo da camisa.

Para mim era um grande passo pois, tradicionalmente, judeus observantes enrolam as franjas do talit sob a barra da camisa e as deixam soltas, penduradas à vista. Eu estava ansioso par cumprir a mitsvá de colocar tsitsit, mas hesitante sobre deixar o mundo não-judaico ver-me caminhando pelo bairro com franjas penduradas na cintura. Eu tinha percorrido um longo caminho durante um ano na minha jornada espiritual, mas não sabia se estava preparado para dar mais este passo.

No entanto, as palavras de Rabi Vogel ficaram na minha cabeça. Quando comecei a resmungar por permanecer na Sucá quando estava chovendo, vendo as gotas da chuva ensoparem meu pedaço de chalá, ele sorriu e me lembrou que: “Ninguém jamais disse que uma mitsvá tinha de ser fácil.” Embora eu pudesse comer chalá ensopada, a idéia de passar pelos meus vizinhos não-judeus e meus colegas de trabalho com “cordas” penduradas na cintura era difícil de aceitar. Achei que todo mundo estaria olhando para mim, imaginando o que poderia ser aquele negócio debaixo da minha camisa.

Estimulado pelas palavras do Rabino, enfrentei meus temores e inibições, coloquei meu talit catan, juntei as franjas e deixei-as pender livremente da cintura. Tenho de admitir que a primeira vez foi muito difícil. Eu estava tããããããããão constrangido. Achava que todas as pessoas do mundo estavam olhando para mim ao mesmo tempo. Mas sabe o que mais? Ninguém estava zombando, e às vezes eu até recebia um aceno ou uma piscadinha, um Shabat Shalom ou em algumas raras ocasiões um sinal de positivo vindo de alguém com estampa de vovô que passava por mim na rua.

Tive a impressão de que os outros realmente admiravam o fato de eu ter escolhido usar uma das vestes de meus ancestrais e seguir um dos mandamentos de Hashem.

Eu não fui o único a escolher este compromisso. Dois dos meus companheiros Chabad também decidiram usar tsitsit no Shabat. Toda vez que eu chegava à sinagoga no Shabat olhava imediatamente para ver se os outros também estavam usando. Após algumas semanas, começamos a sentir um orgulho e um entusiasmo que estava faltando em nossa vida. Estávamos cumprindo uma mitsvá e ao mesmo tempo dando um exemplo para os outros.

À medida que as semanas se transformavam em meses, perdemos nossa inibição e passamos a usar nosso tsitsit como um distintivo de honra. Mas a história não termina aqui. Meu trabalho me leva à capital do país, Washington, três ou quatro vezes por ano. Trabalho para uma grande empresa jornalística, e nossa sede nacional está em Washington.

Diversos meses após meu compromisso com esta mitsvá eu estava participando de uma conferência sobre diversidade. Funcionários do jornal de todas as partes do país tinham se reunido para discutir por que uma equipe diversificada de funcionários é boa para o sucesso da organização. Acontece que a reunião caiu numa sexta-feira. Tomei o trem em Wilmingto, Delaware, e cheguei a Washington às 8 da manhã. A reunião estava programada para terminar às 4 da tarde. Se eu tomasse o trem das 4, sabia que conseguiria chegar a Wilmington e estar na sinagoga para o início dos serviços do Shabat. O único problema era que eu não teria tempo de ir para casa, portanto não daria para colocar meu talit catan! Eu tinha duas opções. Colocá-lo pela manhã e usá-lo durante a reunião ou esquecer o assunto e não usá-lo na sinagoga. AHHHHHHHHHHH! Uma coisa era usar meu tsitsit com os amigos na sinagoga, no meu bairro e vez por outra na casa de amigos. Outra coisa muito diferente era usá-la nos escritórios da empresa, na frente de todo aquele pessoal que detinha o poder.

No instante em que me convenci a deixá-lo na gaveta da minha cômoda, ouvi a voz de Rabi Vogel me chamando… “Shlomo Yacov, ninguém jamais disse que uma mitsvá tinha de ser fácil. Sim, pode chover na Sucá e molhar sua chalá. E sim, você pode ter de usar um talit numa reunião de negócios e se sentir um pouco constrangido. Mas a verdade é: assim que você começa a cumprir os seus compromissos, fica mais fácil fazer compromissos maiores da próxima vez. Se você fizer uma promessa a si mesmo e a Hashem de que fará alguma coisa, então não pode simplesmente dizer: “Sinto muito, eu gostaria de manter aquela promessa, mas… hoje não é muito conveniente.”

Então tirei a camisa, coloquei o talit catan sobre a cabeça, recitei a berachá, vesti a camisa de volta, arrumei as franjas e saí para encontrar o meu destino.

O prédio da minha companhia é o típico edifício no meio de uma grande cidade, 32 andares de concreto e vidro que chegam até o céu. Quando desci do táxi parei em frente ao prédio, alternando meu olhar entre o 32º andar e o tsitsit pendurado na minha cintura. Meus pés simplesmente não se mexiam. A reunião começaria em dez minutos. Finalmente forcei meu corpo a se mexer, um pé na frente do outro e consegui chegar à porta da frente.

Mais de 450 funcionários trabalham na sede da empresa, e a qualquer hora há no mínimo 50 visitantes no prédio. Eu estava convencido de que cada um deles estava olhando para as franjas que pendiam no lado das minhas calças enquanto eu ia até o 32º andar.

Quando entrei na sala da reunião, procurei sentar-me logo. Permaneci grudado naquela cadeira por umas boas duas horas. Finalmente comecei a me sentir mais à vontade; foi quando o apresentador da reunião pediu-me para ficar em pé na frente do grupo e fazer uma apresentação sobre um programa de treinamento que eu tinha organizado recentemente.

Tudo na minha mente gritava: “Não, obrigado, estou muito bem aqui nesta cadeira!” Porém meus lábios disseram… claro!. Quando você está nervoso, até a caminhada mais curta na frente de uma platéia pode parecer que dura para sempre. Neste caso, pareceu durar uma ETERNIDADE para chegar ao pódio.

Quando comecei a fazer a apresentação, prestei atenção à linguagem corporal das pessoas e seus olhos. Milagres dos milagres, ninguém parecia notar. Nem um só olhar estava focalizado em meu tsitsit. Ninguém parecia sequer notar que havia um homem de 1,85 m de altura na frente deles com franjas penduradas, caindo ao lado das calças. Todos pareciam ouvir atentamente as minhas palavras de sabedoria.

Consegui fazer minhas divagações durante os próximos 30 minutos, respondi algumas perguntas e voltei à minha cadeira. “Até que não foi tão mau” – pensei – “ninguém reparou.”

Minutos mais tarde, fizemos um intervalo. Um grupo de amigos meus estava tomando café no outro canto da sala, portanto fui até lá e juntei-me a eles. Um dos meus colegas cumprimentou-me e então disse: “Ô meu, o que são estas franjas?”

Este era o meu momento da verdade. Numa questão de segundos, as palavras do Rabi ecoaram em minha cabeça: “Shlomo Yacov, ninguém jamais disse que uma mitsvá tinha de ser fácil.” Este estava para ser o momento da verdade. Em vez de me retrair daquele momento, preferi enfrentá-lo. Afinal, que cenário melhor que uma reunião sobre Diversidade para discutir o supremo aspecto da Diversidade?

Durante os trinta minutos seguintes a mais famosa, maior e melhor empresa jornalística dos Estados Unidos teve o seu tempo ocupado com uma explicação sobre tsitsit e por que judeus observantes o usam. Foi um dia que jamais esquecerei. Eu tinha enfrentado meus próprios temores e vencido. Tinha testado meu sistema de crença e fora bem-sucedido.

Mais tarde naquele dia, saí daquele prédio confiante de que poderia continuar minha jornada espiritual, viver como um judeu mais observante e ainda construir uma carreira numa empresa daquele nível. Embarquei no meu trem e cheguei a Wilmington a tempo de dar as boas vindas ao Shabat. Como no meu primeiro kidush de Shabat seis meses antes, eu sabia que em algum lugar, de alguma forma, meu Vovô Charlie estava orgulhoso!

       
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