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Serás
sagrado, pois Eu,o Eterno teu D'us, sou sagrado – diz a porção
desta semana da Torá (Vayicrá 19:2).
De quanto um ser humano mortal é capaz? Podemos nós, criaturas
de hábito, cerceadas por limites naturais, atingir a verdadeira
transcendência? Ou estamos presos pelos nossos limites finitos,
incapazes de nos libertar de nossas próprias margens, assim como
um leopardo não pode mudar suas manchas ou um tigre suas listras?
Muitos pensadores e teóricos há muito mantêm a posição
de que o homem jamais pode escapar de seu universo autocontido. Fazendo
parte da estrutura da existência, estamos confinados pelos nossos
limites inerentes, talvez esticando-os um pouco, mas terminaremos por
bater a cabeça no teto em nossa busca pelo imortal. Não
importa quão longe vá o finito, jamais poderemos atingí-lo.
Se não fizer parte dos nossos limites naturais de tempo e espaço
e de nossas dependências em comida, sono, abrigo e outros, nossos
próprios interesses subjetivos não nos permitirão
ir além de nós mesmos.
Uma versão agressiva dessa pespectiva – baseada no modelo
Darwiniano-Freudiano de que a sobrevivência, o autointeresse e a
autoconservação são o impulso principal de todas
as espécies – afirma que até nossas tentativas de
transcendência são parte das necessidades de servir ao “gene
egoísta”. As espécies podem ter uma necessidade de
crer na salvação, mas até a própria fé
é parte do programa matriz que nos mantém reféns
para sempre.
Outra escola de pensamento, porém, advoga a capacidade humana de
realmente elevar-se acima e além de seus limites. Seja por meio
da música, arte ou romance, o anseio humano de ir além das
necessidades de sobrevivência permanece no âmago do espírito
humano, alimentando nossas aspirações e sonhos – anseios
que podem atingir alturas inimagináveis.
Os místicos em particular ensinam como podemos, com vários
exercícios, tradições e meditações,
nos conectar com a luz interior, o espírito mais elevado, a unidade
mais profunda, a energia Divina – seja qual for o nome usado para
se referir à capacidade humana de tocar o céu. Fé
e religião oferecem às pessoas maneiras de irem além
de sua solidão existencial, e introduzem na vida do homem comum
dimensões de outra realidade.
Mas então nos resta o dilema: como podemos encaixar o infinito
dentro de nossos limites finitos? Energia ilimitada dentro de recipientes
limitados? O Divino pode ser integrado ao humano? O imortal dentro do
mortal? O eterno nos limites temporais de nossas vidas e estruturas, sem
nos aniquilar? A resposta na porção desta semana da Torá
é inequívoca: “Serás sagrado”.
Bondade, virtude e amor – por maiores que sejam, ainda são
parte do sistema, e assim, limitados por suas regras, fronteiras e parâmetros.
A santidade, em contraste, é mais que humana. Tornar-se sagrado
significa que sua virtude não está apenas em seus termos
e sua conveniência, mas vai além de si mesma ao ajudar o
outro, mesmo quando isso não é conveniente para você.
O amor humano é limitado à sua capacidade e disposição
de amar, predicado e condicionado pelas suas necessidades; “você”
ainda é um fator, distinto e à parte de seu ente querido.
O amor sagrado é transcendente e incondicional; está indo
além de si mesmo até o ponto em que “você”
não mais domina; você e seu ente querido são um só.
A Torá está nos dizendo: sim, podemos e, sim, devemos nos
tornar mais que humanos. Sim, somos capazes de transcender o próprio
sistema que nos sustenta. E além disso, temos o poder de transformar
o sistema em si mesmo. Santificando nossas vidas materiais transformamos
os limites confinados da existência numa forma de energia mais elevada.
Mas como isso é possível? Não temos a regra de que
nenhum sistema pode mudar a si mesmo? Somente uma força fora do
sistema pode mudar aquele sistema.
A resposta está na segunda metade do versículo: “Serás
sagrado, pois Eu, o Eterno, sou sagrado.” D'us partilhou Sua Divina
Santidade conosco. Em outras palavras, embora estejamos no sistema, temos
dentro de nós uma parte que está além do sistema.
E essa parte nos permite transcender e até transformar o sistema.
Os seres humanos têm dois componentes: uma parte que é bastante
do sistema, governada pelas leis da natureza; uma segunda parte enraizada
além do sistema. Minerais, vegetais e animais têm somente
a primeira parte; como um relógio, eles sempre seguem padrões
previsíveis. Os seres humanos têm também o segundo
componente, permitindo-lhes transcender a própria natureza. A todo
momento em nossas vidas temos a opção – qual parte
de nós mesmos controlará nossas vidas? Servir nossas próprias
necessidades ou (até saudáveis e amorosas) ou servir a um
propósito mais elevado, santificando a vida.
Em termos práticos ser sagrado significa sair de sua zona de conforto
e do comportamento convencional. Mesmo que você esteja fazendo coisas
boas, desde que sejam por hábito e de cor, você não
é chamado aquele que está “servindo” ao Divino
– avodat Hashem. “Avodah” significa algo que vem com
esforço, esforço extenuante, não por hábito,
mesmo um que seja bom.
Enquanto nosso comportamento é definido pelos parâmetros
de nossas inclinações naturais e rotinas adquiridas, permanecemos
encurralados na própria estrutura que estamos seguindo. Quando
vamos além da nossa zona de conforto e fazemos algo inesperado
permitimos que nossa alma Divina venha à tona, libertando-nos das
amarras dos limites da natureza. Por sua vez, isso nos permite santificar
nossa existência. Não expandimos meramente nossos limites
naturais, mas ao irmos além de nós mesmos introduzimos na
existência uma dimensão que está além dela
– assim, transformando-a e consagrando-a.
Ao lermos a porção desta semana – Kedoshim tehiyu
– é um momento excelente para cada um de nós resolver
fazer algo novo e imprevisível para alguém que amamos ou
para um estranho. Fazer algo sagrado.
E o momento não poderia ser mais apropriado. À medida que
saímos das celebrações da transcendência de
Pêssach – liberdade das amarras e limites (o significado da
palavra hebraica mitzrayim) – Kedoshim tehiyu nos impele a santificar
nossas vidas.
Seja sagrado. Não seja apenas bom, seja sagrado. Não seja
apenas humano, seja Divino.
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