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Certo dia fui chamado
a oficiar em dois funerais. As famílias envolvidas eram amigas
nossas, mas moravam em partes diferentes de Londres e não se conheciam.
Nos dois casos, a mulher tinha morrido após um casamento longo
e feliz. Um casal tinha acabado de celebrar, e o outro estava para comemorar,
as bodas de diamantes.
O mais impressionante foi que os dois maridos me disseram a mesma coisa,
com palavras praticamente idênticas: “Eu a amava tanto quanto
no dia em que nos apaixonamos.” Ouvir aquilo uma vez, após
sessenta anos de casamento teria sido raro. Ouvir duas vezes no mesmo
dia parecia mais que mera coincidência.
Os dois casais eram religiosos. Rezar e ir à sinagoga, celebrar
Shabat e as Festas, doar tempo e dinheiro ao próximo, tudo isso
fazia parte da vida deles. Sabiam que no Judaísmo o lar é
tão sagrado quanto um templo. Fazer essas coisas, perguntei a mim
mesmo, tem algo a ver com a força e persistência de seu amor?
Tendemos a pensar que as emoções, especialmente uma tão
caprichosa quanto o amor, são simplesmente aquilo que sentimos.
Não escolhemos nossos gostos e aversões, nossos temores
e alegrias. Eles nos apanham de surpresa. Podem nos deixar indefesos em
seu poder. As palavras “paixão” e “passivo”
estão relacionadas. Concluímos, portanto, que não
podemos evitar de sentir aquilo que sentimos.
Estudos recentes em psicoterapia sugerem o contrário. A terapia
cognitiva é baseada na premissa de que aquilo que sentimos é
influenciado por aquilo que pensamos, e podemos mudar nossa maneira de
pensar. A psicologia positiva tem tido sucesso em transformar pessimistas
em otimistas, reestruturando as percepções das pessoas.
Martin Seligman, o pioneiro nesse campo, chama o pessimismo de “impotência
aprendida”, e aquilo que pode ser aprendido pode ser desaprendido.
O mesmo ocorre com o amor. Alguém que acredita que o casamento
é “apenas um pedaço de papel”, que o sexo vem
sem compromissos, e que o prazer é a medida de todas as coisas,
terá uma gama de emoções. Aqueles que acreditam que
o casamento é um pacto sagrado, que o amor é inseparável
da lealdade, e que fazemos sacrifícios por aquilo que amamos, terão
um ao outro. Porque eles têm pensamentos diferentes, sentirão
coisas diferentes.
Aquilo que pensamos é moldado pela nossa cultura, e culturas inteiras
podem ser sensíveis a algumas coisas, mas surdas e cegas a outras.
Nos deliciosos romances de Jane Austen, por exemplo, por quem você
se apaixona depende, numa maneira que hoje achamos estranha, da renda
anual daquela pessoa. No mundo da romancista, casamento e classe social
eram quase inseparáveis. O amor não é apenas uma
emoção. Tem uma história social e cultural.
Hillary Clinton aprecia o provérbio africano: “É preciso
uma aldeia para criar um filho.” Às vezes é preciso
uma cultura para sustentar um casamento. Os judeus são tradicionalmente
famosos por terem casamentos sólidos porque grande parte do Judaísmo
é focado no lar, e porque a semana e o ano judaicos separam espaço
sagrado para tempo em família. Quando muitos judeus perdem estes
rituais, as taxas de divórcio sobem até se tornarem semelhantes
ao resto da população.
Em qualquer cultura, alguns casamentos dão certo, outros não.
Alguns duram, outros se desfazem. As coisas são assim. O fracasso
de um relacionamento não deveria nos induzir a sentir culpa. Tentamos,
falhamos e seguimos em frente, esperando um mínimo de acrimônia
e um máximo de respeito mútuo. Porém isso não
significa que não há nada que possamos fazer para dar uma
melhor chance ao amor.
Ver o amor como a força que move o universo, amar a D’us
e saber que D’us nos ama, celebrar o amor em ritual e canção
e saber que ele significa constância e lealdade, entender que o
amor dá e perdoa, e ver no nascimento de um filho o amor que traz
nova vida ao mundo: estes dão uma maior chance ao amor. E num mundo
de prazeres fáceis, períodos de pouca atenção
e relacionamentos frágeis, o amor precisa ter mais chance.
É isso que a fé faz. Santificando o amor, ela o protege
das milhares de tentações às quais se vê exposto
todos os dias. Naquele dia, quando ouvi dois velhos amigos em meio à
dor falarem sobre um amor que não diminuiu com o tempo, pensei
nas famosas palavras de Dylan Thomas: “Embora os amantes possam
se perder, o amor não pode; e a morte não dominará”,
e eu soube que amar a D’us nos ajuda a amarmos uns aos outros.
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