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  Bodas de Diamantes
  Por Professor Jonathan Sacks - Rabino-Chefe da Inglaterra  
 

Certo dia fui chamado a oficiar em dois funerais. As famílias envolvidas eram amigas nossas, mas moravam em partes diferentes de Londres e não se conheciam. Nos dois casos, a mulher tinha morrido após um casamento longo e feliz. Um casal tinha acabado de celebrar, e o outro estava para comemorar, as bodas de diamantes.

O mais impressionante foi que os dois maridos me disseram a mesma coisa, com palavras praticamente idênticas: “Eu a amava tanto quanto no dia em que nos apaixonamos.” Ouvir aquilo uma vez, após sessenta anos de casamento teria sido raro. Ouvir duas vezes no mesmo dia parecia mais que mera coincidência.

Os dois casais eram religiosos. Rezar e ir à sinagoga, celebrar Shabat e as Festas, doar tempo e dinheiro ao próximo, tudo isso fazia parte da vida deles. Sabiam que no Judaísmo o lar é tão sagrado quanto um templo. Fazer essas coisas, perguntei a mim mesmo, tem algo a ver com a força e persistência de seu amor?

Tendemos a pensar que as emoções, especialmente uma tão caprichosa quanto o amor, são simplesmente aquilo que sentimos. Não escolhemos nossos gostos e aversões, nossos temores e alegrias. Eles nos apanham de surpresa. Podem nos deixar indefesos em seu poder. As palavras “paixão” e “passivo” estão relacionadas. Concluímos, portanto, que não podemos evitar de sentir aquilo que sentimos.

Estudos recentes em psicoterapia sugerem o contrário. A terapia cognitiva é baseada na premissa de que aquilo que sentimos é influenciado por aquilo que pensamos, e podemos mudar nossa maneira de pensar. A psicologia positiva tem tido sucesso em transformar pessimistas em otimistas, reestruturando as percepções das pessoas. Martin Seligman, o pioneiro nesse campo, chama o pessimismo de “impotência aprendida”, e aquilo que pode ser aprendido pode ser desaprendido.

O mesmo ocorre com o amor. Alguém que acredita que o casamento é “apenas um pedaço de papel”, que o sexo vem sem compromissos, e que o prazer é a medida de todas as coisas, terá uma gama de emoções. Aqueles que acreditam que o casamento é um pacto sagrado, que o amor é inseparável da lealdade, e que fazemos sacrifícios por aquilo que amamos, terão um ao outro. Porque eles têm pensamentos diferentes, sentirão coisas diferentes.

Aquilo que pensamos é moldado pela nossa cultura, e culturas inteiras podem ser sensíveis a algumas coisas, mas surdas e cegas a outras. Nos deliciosos romances de Jane Austen, por exemplo, por quem você se apaixona depende, numa maneira que hoje achamos estranha, da renda anual daquela pessoa. No mundo da romancista, casamento e classe social eram quase inseparáveis. O amor não é apenas uma emoção. Tem uma história social e cultural.

Hillary Clinton aprecia o provérbio africano: “É preciso uma aldeia para criar um filho.” Às vezes é preciso uma cultura para sustentar um casamento. Os judeus são tradicionalmente famosos por terem casamentos sólidos porque grande parte do Judaísmo é focado no lar, e porque a semana e o ano judaicos separam espaço sagrado para tempo em família. Quando muitos judeus perdem estes rituais, as taxas de divórcio sobem até se tornarem semelhantes ao resto da população.

Em qualquer cultura, alguns casamentos dão certo, outros não. Alguns duram, outros se desfazem. As coisas são assim. O fracasso de um relacionamento não deveria nos induzir a sentir culpa. Tentamos, falhamos e seguimos em frente, esperando um mínimo de acrimônia e um máximo de respeito mútuo. Porém isso não significa que não há nada que possamos fazer para dar uma melhor chance ao amor.

Ver o amor como a força que move o universo, amar a D’us e saber que D’us nos ama, celebrar o amor em ritual e canção e saber que ele significa constância e lealdade, entender que o amor dá e perdoa, e ver no nascimento de um filho o amor que traz nova vida ao mundo: estes dão uma maior chance ao amor. E num mundo de prazeres fáceis, períodos de pouca atenção e relacionamentos frágeis, o amor precisa ter mais chance.

É isso que a fé faz. Santificando o amor, ela o protege das milhares de tentações às quais se vê exposto todos os dias. Naquele dia, quando ouvi dois velhos amigos em meio à dor falarem sobre um amor que não diminuiu com o tempo, pensei nas famosas palavras de Dylan Thomas: “Embora os amantes possam se perder, o amor não pode; e a morte não dominará”, e eu soube que amar a D’us nos ajuda a amarmos uns aos outros.

 
 
       
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