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  Alimentando D’us
 
Por Rabino Yitzchak Ginsburgh, traduzido por Maurício Klajnberg
 

Numa das Parashiot desta semana, Vayelech, HaShem ordena Moshê a escrever um rolo de Torá (com os 5 livros de Moisés) e colocá-lo no Kodesh HaKodashim, perto da arca.

Como isso é relevante para nós hoje?

Para entender, aqui está uma história.

Na cidade de Tsfat, em Israel, há mais ou menos 400 anos, vivia um judeu simples que chamaremos de Shimon. Ele era uma boa pessoa, sempre cuidadoso com o que D’us queria e perguntava ao Rabino da cidade quando tinha alguma dúvida. Aconteceu em um Shabat em que o Rabino falou uma prédica sobre como não só os judeus estão sofrendo com a ausência do Templo Sagrado, mas D’us também sofre. Os sacrifícios eram chamados de ‘alimento’ e ‘pão’ de D’us e, sem eles, desde que os sacrifícios do Templo cessaram, D’us está ‘faminto’.

Reb Shimon ouviu essas palavras boquiaberto e com os olhos arregalados. “Seria possível? Seria possível que D’us estivesse faminto? D’us está sofrendo?” Ele pensou consigo mesmo.

Ele nem ouviu o resto do sermão sobre como nossas orações, ações e estudo de Torá são como os sacrifícios porque ele estava muito ocupado pensando e digerindo o que tinha acabado de ouvir.

No começo ele não conseguiu acreditar que o Rabino tinha realmente dito isso; ele sempre pensou que D’us fosse infinito, sem corpo e sem estômago que pudesse ficar vazio. Mas quanto mais ele pensou, mais começava a lhe fazer um sentido horrível. Se o Rabino falou, então deveria ser verdade. Além disso, se D’us é realmente infinito, então ele também pode ter um estômago. E por último, nós realmente não conseguimos entender D’us de qualquer jeito, então pode ser que Ele tenha realmente um estômago infinito!

Em todo caso, quando Reb Shimon foi para casa para sua refeição de Shabat, deu a notícia triste para sua esposa. D’us estava com fome! O Rabino tinha dito isso! E então explodiu num choro sentido.

Sua esposa, que era um pouco mais prática por natureza (n.d.e. geralmente como todas as esposas), também chorou, mas pensou um minuto, enxugou suas lágrimas e teve uma ideia. Ela pensou em fazer mais chalot toda sexta-feira e dar a Shimon para levar à sinagoga e entregar a D’us, assim como os cohanim faziam na época do Beit Hamikdash com 12 pães especiais chamados de ‘Lechem HaPanim’.

Shimon poderia colocá-los na Arca onde os rolos de Torá são guardados, e eles rezariam para que D’us os comesse. Seu marido aplaudiu sua ideia com alegria e sua esposa começou a trabalhar. Eles economizaram dinheiro durante toda a semana e na sexta seguinte Shimon entrou em silêncio na sinagoga com um saco com três pães quentinhos.

Então, quando ele teve certeza de que ninguém estava por perto, calmamente se aproximou da arca, abriu a porta, colocou lá as chalot frescas que acabaram de sair do forno, fechou a porta e então saiu da sinagoga e do prédio o mais rápido possível.

Mais tarde naquela manhã, o Rabino entrou na sinagoga e sentiu um aroma especial vindo da arca. Quando ele abriu a porta, percebeu as chalot ainda frescas e então perguntou ao Shamash de onde elas vinham. Como o Shamash não sabia, o Rabino resolveu levá-las para casa e as saboreou com prazer durante a refeição de Shabat.

Durante o dia de Shabat, quando a sinagoga estava cheia, e a arca foi aberta para retirar um rolo de Torá para sua leitura, Shimon levantou o pescoço para ver o que tinha acontecido com as chalot que sua esposa havia assado para D’us e... quase desmaiou quando viu que D’us havia aceito sua oferenda e havia comido TUDO! D’us não estava mais faminto!!! Shimon estava exultante!

Ele queria pular de alegria, mas resolveu guardar seu segredo e compartilhar sua felicidade e lágrimas de alegria com sua esposa. E assim continuou por meses. Toda sexta-feira o Rabino achava pães quentes e deliciosos na arca e todo sábado Shimon ficava orgulhoso com sua conquista. Todos estavam felizes!

Mas coisas boas às vezes têm um fim…

Numa certa manhã, o Shamash estava na sinagoga quando notou alguém entrando na sinagoga, levando pães até a arca e depois fechando a porta e indo embora correndo.

Algumas horas depois quando encontrou o Rabino, o Shamash lhe contou que tinha visto Shimon trazendo os pães sobre os quais o Rabino havia perguntado alguns meses antes.

“Shimon?” perguntou o Rabino incrédulo. “Por que ele traria esses pães?”

Ora, esse Rabino não era qualquer um, ele era um gênio, aluno do famoso e sagrado Rabino Isaac Luria (Arizal) o maior cabalista que já viveu na Terra, e isso o surpreendeu completamente. Então ele foi até a casa do Shimon e lhe pediu uma explicação.

“Ahh!” Falou Shimon. “Ora, estou feliz que o senhor tenha perguntado. Para lhe falar a verdade, não queria que ninguém soubesse. Era só entre minha esposa, eu e HaShem. Mas, ora, o senhor lembra a prédica que deu há alguns meses sobre a fome de Hashem desde a destruição do Templo? Bom, eu e minha esposa decidimos fazer algo sobre isso. Então ela assa algumas chalot a mais toda sexta-feira e eu as levo para o Shul (sinagoga) para que D’us tenha o que comer.

“E sabe o quê Rabino? Hashem as come de verdade! Oy, que milagre! Eu as coloco na arca de manhã e no sábado vejo que elas não estão mais lá! É um milagre tão grande! Mas por favor não conte para ninguém...”

O Rabino olhou para Shimon e esbravejou: “O que? Você ainda por cima coloca a culpa em cima de mim? Você acha de verdade que D’us come seus pães? Oh, isso é uma loucura! Eu as tenho comido todos esses meses sem saber de onde vinham... se eu soubesse que eram frutos de sua imaginação fértil! Agora quero que você pare com essa insanidade imediatamente. Você entendeu? D’us lá come pão Shimon?”

Shimon ficou estarrecido e triste, e sua esposa se retirou da sala para chorar silenciosamente no seu quarto. Assim que o Rabino chegou na sinagoga tinha um bilhete do Rabino Isaac Luria querendo falar com ele. O Rabino saiu correndo chateado em estar atrasado para encontrar com o Rebe por causa desses ‘ignorantes’.

“Prepare suas coisas e escreva seu testamento.” Falou o Ari muito seriamente. “Você tem apenas alguns dias de vida!”

O Rabino ficou assustado! O Ari continuou.

“Um judeu de seu nível deveria saber melhor em vez de fazer o que você fez. Saiba que desde a destruição do Templo e possivelmente desde que o Primeiro Templo foi construído, D’us nunca teve um prazer tão grande pela sinceridade simples de um judeu quanto Ele teve por causa dos pães do Reb Shimon e sua esposa.”

Isso responde à nossa pergunta.

O que D’us quer na verdade é nossa sinceridade. Está certo que o Reb Shimon de nossa história deveria saber melhor as leis, mas suas intenções eram verdadeiras; eles honesta e simplesmente acreditavam que estavam alimentando D’us, e isso cancelou o seu erro.

D’us falou para Moshé colocar o rolo de Torá no Kodesh HaKodashim; um lugar onde é revelada a essência de D’us, acima do tempo e do espaço, porque isso é exatamente do que a Torá se trata; leis limitadas que revelam a essência infinita de D’us (e de cada judeu) neste mundo físico e limitado.

     
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