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Um estremecimento
humano é mencionado três vezes na Torá (e várias
outras vezes no Tanach). O primeiro – na porção dessa
semana da Torá: Yitschac teve um grande, grande tremor quando Essav
aproximou-se dele para receber a bênção que Yaacov
já tinha “roubado” (Bereshit 27:33).
As tribos estremeceram quando descobriram o dinheiro colocado em suas
sacolas (Bereshit 42:28). “O que é isso que D'us está
fazendo para nós?” eles perguntaram com o coração
pesado quando perceberam que estavam sendo considerados responsáveis
pelo sangue de seu irmão Yossef a quem tinham vendido como escravo.
No Sinai – as pessoas no campo estremeceram (Shemot 19:16). Na verdade,
a montanha inteira estremeceu violentamente (19:18).
Os sábios na verdade conectam esses três tremores. Segundo
Rabi Judah (Zohar I 144 b), a angústia de Yaacov pela perda de
Yossef foi um castigo por fazer seu pai Yitschac estremecer. O Midrash
(Ohr Há’afeilah em manuscrito) diz que devido ao tremor de
Yitschac seus filhos estremeceram no Sinai. Qual é a conexão
entre esses três eventos?
Todo tremor reflete um sério distúrbio. Quando ficamos conscientes
de que as coisas não estão certas, estremecemos. Nosso universo
em geral e cada pessoa individualmente, são contraditórios
por natureza – formados por matéria e espírito, corpo
e alma – duas forças impulsionadas em direções
opostas. A batalha entre matéria e espírito cria grave turbulência,
que está na base de toda a solidão e desespero existenciais
– motivo mais do que suficiente para estremecer. No entanto essa
dissonância nem sempre é aparente.
A história de Esav e Yaacov reflete o conflito da própria
vida, resultando da tensão entre matéria e espírito.
Os irmãos gêmeos Yaacov e Esav incorporam duas personalidades
e duas nações que são contrárias uma a outra
desde o momento da concepção (no útero de Rivca):
“Duas nações estão em seu útero. Dois
governos se separarão de suas entranhas. A mão mais alta
irá de uma nação para outra.”
Essav e Yaacov representam duas forças em cada uma de nossas vidas
e no mundo em geral: Essav, o “exímio caçador, um
homem do campo”, simboliza o corpo, o mundo material, cujos elementos
grosseiros precisam ser conquistados. Yaacov, o “homem íntegro,
que habita as tendas”, incorpora a alma, o mundo espiritual. A princípio
esses dois mundos não coexistem. Matéria e espírito
estão em guerra um contra o outro: “Quando um levanta o outro
cai.”
Em termos místicos o conflito entre Yaacov e Essav representa o
processo chamado Avodat habirurim: tudo em nossa existência material
contém “centelhas” Divinas, i.e., energia espiritual,
e somos encarregados da missão de liberar, redimir e elevar essas
centelhas, e assim refinar o universo material e transformá-lo
no seu verdadeiro propósito: um veículo para a expressão
espiritual.
Originalmente, Essav era para ser o parceiro de Yaacov no esforço
para redimir as “centelhas” Divinas. O guerreiro Essav deveria
domar os elementos crassos do materialismo e moldá-los em veículos
do sublime. Porém o Essav Material primeiro precisa do Yaacov espiritual
para ter direção e foco. Para receber as bênçãos
materiais que Yitschac tinha designado a Essav, Yaacov se veste com as
roupas de Essav, para redimir a poderosa energia dentro da matéria
(para elaboração mais aprofundada, veja: Yaacov e Essav:
Duas Nações, Os Gêmeos, O Poder do Esforço
Humano).
Depois que Yaacov se camuflou como Essav para receber as bênçãos
de Yitschac, Esav retorna da caçada no campo e se apresenta perante
seu pai Yitschac. Quando Essav entra na presença do pai, este sente
a profunda dissonância entre matéria e espírito, entre
Essav e Yaacov. E ele estremece violentamente: algo está errado,
terrivelmente errado. O que exatamente fez Yitschac ser tomado por um
tremor tão violento?
Uma opinião é que Yitschac estremeceu quando viu que Essav
não era quem Yitschac pensava que ele fosse: Yitschac “viu
o Gehinom [inferno] aberto por baixo dele” (Rashi – de Tanchuma
Bracha 1, Zohar ibid.). Uma segunda opinião é que Yaacov
também foi a causa deste tremor. Portanto embora D'us concordasse
que Yaacov deveria receber as bênçãos, mas como ele
causou tanto sofrimento ao pai (i.e., ele o informou sobre a profunda
discórdia), Yaacov mais tarde seria afetado por sua vez com a perda
de Yossef. Yossef ser vendido pelos irmãos foi outra manifestação
da discórdia entre corpo e espírito.
E finalmente, o tremor de Yitschac fez o povo judeu estremecer quando
esteve no Sinai. O Salmista escreve: “Do Céu Tu fizeste a
sentença ser ouvida, a terra temeu e ficou imóvel”
(Salmos 76:9). Explica o Talmus (Shabat 88 a), que até o Sinai
“a terra temia” porque a existência material do universo
era tênue sem sua conexão com o propósito espiritual.
Quando essa conexão foi estabelecida no Sinai, a terra ficou “imóvel”.
Portanto foi apropriado que estando de pé perante o Sinai “o
povo no acampamento – bem como na montanha – estremecesse.”
[Talvez a montanha “estremecesse violentamente” porque as
pessoas afinal fossem todas filhas de Yaacov, e assim não estavam
distantes de seu chamado espiritual. Em contraste, a montanha era grande
parte da “terra” material que estava com medo.]
Porém, mesmo depois da imobilidade afetada pelo Sinai, a batalha
irrompe, mas agora estamos armados com as ferramentas formais para ligar
a matéria de Essav com o espírito de Yaacov.
Yitschac tremeu violentamente pelo desalinhamento do universo. Tremeu
por toda experiência sofrida que ocorreria no decorrer dos tempos.
Ele estremeceu quando viu as terríveis consequências das
batalhas entre Essav e Yaacov – as guerras que seriam travadas entre
essas duas potências globais, duas forças na história
– Roma e Jerusalém. Ele estremeceu ao perceber quão
difícil, quão doloroso o conflito seria através da
história entre as forças da matéria e as forças
do espírito.
Seu tremor continuou a reverberar através dos tempos.
Porém o tremor de um tsadic não é mero medo. Absorve
parte do choque e do sofrimento – tornando mais fácil para
nós abrir nosso caminho através dos desafios. E assim fizemos.
Através de todas as dificuldades, perseguições e
expulsões, estamos hoje no limiar de um mundo novo: um mundo que
finalmente ficará “imóvel” – em paz consigo
mesmo, com seus vizinhos, e acima de tudo – com seu propósito
Divino.
Alguns tremores têm este poder. |