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Talvez você
já conheça essa “horrível ” piada antiga:
Um homem vai visitar seu rabino. “Rabino, algo terrível está
acontecendo e preciso conversar com você a respeito.”
“Qual é o problema?” pergunta o rabino.
“Minha mulher está me envenenando,” vem a resposta.
O rabino, surpreso ao ouvir isto, pergunta: “Como é possível?”
O homem então implora: “Estou lhe dizendo. Estou certo de
que ela está me envenenando, o que devo fazer?”
“Vou lhe dizer,” responde o rabino. “Deixe-me falar
com ela para ver o que descubro e depois lhe respondo.”
No dia seguinte o rabino chama o homem e diz: “Bem, falei com sua
mulher ao telefone ontem durante mais de três horas. Você
quer meu conselho?”
O homem, ansioso, responde: “Sim.”
“Tome o veneno,” diz o rabino.
Música
A Torá é conhecida como um livro de palavras. Menos conhecido
é o fato de que é um livro de melodias. Cada palavra da
Torá contém uma nota musical com a qual é lida e
cantada nas sinagogas sempre que é lida publicamente.
Isto é, entre parênteses, o que torna a leitura da Torá
uma tarefa desafiadora. Como essas notas não estão transcritas
na própria Torá – foram transmitidas oralmente de
geração em geração – a pessoa que está
lendo a Torá deve memorizar a nota apropriada para cada palavra.
Essas notas musicais, transmitidas desde Moshê no decorrer das gerações,
são extremamente meticulosas e significativas. Com frequência
elas nos expõem à profundidade de uma palavra ou frase que
jamais teríamos apreciado pela palavra ou frase em si mesmas.
Uma das mais raras e mais incomuns notas musicais na Torá é
conhecida em hebraico como a “shalshelet”. Nenhuma outra nota
musical escrita é passada num estilo repetitivo, exceto a shalshelet,
que se repete teimosamente três vezes. A notação gráfica
dessa nota, também, parece o facho de um relâmpago, m “movimento
em zigzag”, uma marca que vai repetidamente para a frente e para
trás.
Essa nota musical única aparece não mais de quatro vezes
em toda a Torá, três vezes em Bereshit e uma vez em Vayicrá.
Uma delas é na porção Vayeshev, num momento de elevado
drama psicológico e moral.
A Recusa
Eis aqui a história:
Yossef é um adolescente extremamente bem apessoado e filho favorito
de seu pai, Yaacov. Ele é vendido como escravo pelos irmãos
que têm inveja dele. Exibido no mercado egípcio, ele é
comprado por um importante cidadão egípcio, Potifar, que
termina por escolher o escravo como chefe da sua criadagem. Ali, Yossef
desperta a cobiçosa imaginação da esposa de seu amo.
Ela tenta desesperadamente forçá-lo a um relacionamento,
mas ele a recusa com firmeza.
Aqui está a descrição da Torá:
“Yossef era forte e bonito de aparência. Após algum
tempo a mulher de seu amo notou-o e disse: ‘Venha para a cama comigo.’
Mas ele recusou e disse: ‘Como sou o encarregado, meu amo não
se preocupa com nada na casa; tudo que ele possui está confiado
aos meus cuidados. Ninguém é mais importante que eu nesta
casa. Meu amo não esconde nada de mim, exceto você, que é
sua mulher. Como então eu poderia fazer algo tão perverso
e pecar contra D'us?’”
Sobre o verbo “mas ele recusou” a tradição colocou
uma shalshelet, a nota musical três vezes repetida.
Qual é o significado dessa nota rara sobre esse verbo em particular?
Há um detalhe ainda mais intrigante nessa narrativa, sobre a maneira
que a Torá relata a resposta de Yossef à proposta da mulher.
Quando a esposa de seu amo pede que ele se deite com ela poderíamos
esperar que Yossef primeiro explicasse a ela que não pode aceitar
a oferta, e então concluir dizendo “não”.
Porém, a Torá nos diz que a primeira coisa que Yossef fez
foi recusá-la. Somente depois ele justifica sua recusa. Por quê?
O Conflito
A recusa de Yossef, devemos nos lembrar, não foi sem ambivalência
e conflito. Por um lado, seu completo senso de moral disse: não.
Seria uma traição a tudo que sua família representava
– sua ética de propriedade sexual e seu forte senso de identidade
como filhos do Pacto. Seria também, como o próprio Yossef
explicou à mulher, uma traição ao seu marido e um
pecado contra D'us.
E apesar disso, nos diz a tradição, a tentação
foi intensa. Poderíamos entender por quê. Yossef é
um escravo de 18 anos num país estrangeiro. Ele nem sequer é
dono do próprio corpo; seu amo exerce controle total sobre sua
vida, como era o destino de todos os escravos na antiguidade. Não
tem um único amigo ou parente no mundo. Sua mãe morreu quando
ele tinha 9 anos, e seu pai pensava que ele estava morto. Seus irmãos
foram quem o venderam como escravo, privando-o da juventude e liberdade.
Pode-se apenas imaginar o profundo senso de solidão que inundava
o coração desse adolescente bonito e bondoso.
Uma pessoa em tamanho isolamento não somente é dominada
por tentações poderosas para aliviar sua solidão
e desgosto, mas muito provavelmente pode sentir que um único ato
seu pode fazer pouca diferença na suprema ordem das coisas.
Afinal, o que estava em jogo se Yossef sucumbisse às exigências
dessa mulher? Provavelmente ninguém iria descobrir o que tinha
acontecido entre os dois. Yossef não precisaria voltar para casa
à noite para enfrentar uma esposa dedicada ou um pai espiritual,
nem teria de voltar para uma família ou comunidade de alto padrão
moral. A reputação de sua família não seria
manchada como resultado de sua ação. Ele continuaria sozinho
depois do evento, assim como estava sozinho antes. Então, qual
o grande problema se entrasse num relacionamento instantâneo?
Além disso, devemos levar em consideração o poder
dessa nobre egípcia que estava incitando Yossef. Ela estava numa
posição de ser capaz de transformar a vida de Yossef em
paraíso ou num verdadeiro inferno. Na verdade, ela tinha feito
exatamente isso, fazendo com que ele recebesse prisão perpétua
numa masmorra egípcia sob as falsas acusações de
que tentara violentá-la (ao final, ele foi libertado após
12 anos).
O Talmud descreve as técnicas que a mulher usou a fim de persuadir
Yossef. “Todo e cada dia,” diz o Talmud, “a esposa de
Potifar tentava seduzi-lo com palavras. As roupas que ela vestia para
ele pela manhã ela não vestia para ele à noite. As
roupas que ela vestia para ele à noite não vestiria para
ele pela manhã. Ela disse a ele: ‘Renda-se a mim.’
Ele respondeu ‘Não’. Ela o ameaçou: ‘Vou
confiná-lo na prisão… Vou dominar sua pose orgulhosa…
Vou cegar os seus olhos,’” mas Yossef a recusou. Ela então
deu a ele uma grande soma em dinheiro, mas ele não cedeu.
A rejeição de Yossef exigia uma tremenda força. O
Talmud faz uma descrição gráfica de seu tormento
interior:
“A imagem de seu pai apareceu a ele na janela e disse: ‘Yosef,
os nomes de seus irmãos estão destinados a ser inscritos
nas pedras do avental do [sumo sacerdote], e você estará
entre ele. Você quer que seu nome seja apagado? Quer ser chamado
de adúltero?’”
Um Não Trovejante
Como, então, Yossef superou essa enorme tentação?
A resposta está captada nas três palavras bíblicas
e em sua nota musical “shalshelet” – “mas ele
recusou”.
Cônscio do profundo perigo que poderia correr se cedesse ao comportamento
imoral, a primeira coisa que Yossef fez foi dar à mulher um “não”
trovejante. Como sugere a nota “shalshelet” repetida três
vezes, Yossef, com determinação inabalável, declarou
três vezes: “Não! Não! Não! Esqueça,
não vou fazer isso!” Nada de mas, se ou talvez. Somente depois,
Yossef se permitiu a indulgência do argumento racional contra o
adultério.
Quando se trata de tentação ou vício, não
se pode ser racional e educado. Você deve ser determinado, implacável
e firme. Deve repetir de maneira teimosa e monótona o mesmo “não”
muitas e muitas vezes. Jamais abra espaço para uma nuance, negociação
ou ambivalência. No momento em que você começa a explicar
e justificar seu comportamento, é provável que perca a batalha.
Somente depois de um “não” absoluto e não-negociável
você pode continuar com o argumento intelectual por trás
da sua decisão.
O Empurrão
Há uma expressão profunda na Cabalá sobre a maneira
que uma pessoa deveria lidar com fantasias, impulsos e pensamentos destrutivos
e imorais. “Você deve empurrá-los para longe com as
duas mãos,” disse Rabi Shneur Zalman de Liadi em seu Tanya.
O que significa empurrar um pensamento com as duas mãos?
Às vezes, você pode empurrar um pensamento negativo somente
com uma mão. Ao lutar e argumentar com o impulso, você o
valida. Com efeito, enquanto o está empurrando com uma das mãos,
você o está convidando a voltar com a outra mão.
Empurrar um impulso com as duas mãos significa que você simplesmente
e em silêncio o expulsa de seu cérebro. Sem discussão,
drama ou alvoroço, você simplesmente deixa claro que ele
não é bem-vindo em sua vida, e você deve passar para
pensamentos e ações alternativas. Você não
o valida de maneira alguma, nem sequer briga com ele. Você simplesmente
não atribui qualquer poder ou importância a ele. É
isso que chamamos de empurrá-lo com as duas mãos. Cedo ou
tarde, ele não vai mais tentar voltar.
Nesta história de Yossef, então, nos é dada uma lição
atemporal de como lidar com nossos próprios desejos e inclinações
feias. Seus demônios são mais espertos do que você
pensa; não tente fazer acordo com eles. Apenas diga: não!
Não! Não! Eles acusarão você de ser ignorante
e estúpido. E daí? Você vai se dar bem com um casamento
feliz e uma vida significativa. |