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  Um Silêncio Trovejante
 
Por Yosef Y. Jacobson
 

Este ensaio é parcialmente baseado numa palestra feita pelo Rebe, em Purim de 1971

Na Alemanha primeiro eles foram atrás dos comunistas, e eu não falei nada porque eu não era comunista. Então eles foram atrás dos judeus, e eu não falei nada porque eu não era judeu. Então eles foram atrás dos sindicalistas, e eu não falei nada porque não era sindicalista. Então eles foram atrás dos católicos, e eu não falei nada porque era protestante. Então eles foram atrás de mim, e àquela altura não sobrou ninguém para falar.
- Martin Niemoller

No decorrer da história tem sido a falta de ação daqueles que poderiam ter agido, a indiferença daqueles que deveriam ter sabido, o silêncio da voz da justiça quando ela mais importava, a tal ponto que tornou possível o mal triunfar.
- Haile Selassie


Quando muitos sobreviventes e suas famílias comemoram Yom Hashoah, o Dia de Lembrança do Holocausto, para lembrar os 6 milhões que pereceram; quando judeus em Israel continuam a ser ameaçados por nações determinadas a destruí-lo; quando dezenas de milhares de crianças inocentes, mulheres e homens foram torturados e fuzilados no decorrer do último ano na Síria com o trovejante silêncio que vem da comunidade internacional; quando abuso e injustiça com frequência criam raízes nas nossas comunidades devido ao silêncio das pessoas boas – desejo refletir sobre um Midrash na porção desta semana, Shemini que relata o trágico episódio da morte prematura dos dois filhos de Aharon, Nadav e Avihu.

No dia em que o Tabernáculo no deserto foi levantado, e os quatro filhos de Aharon foram instalados como sacerdotes, os dois filhos mais velhos entraram no Tabernáculo e não saíram vivos.

O Talmud relata a seguinte história para explicar a causa da morte deles:

“Certa vez Moshê e Aharon estavam caminhando pela estrada e Nadav e Avihu (dois filhos de Aharon) estavam caminhando atrás deles, e todo Israel atrás deles. Nadav disse a Avihu: ‘Quando estes dois velhos irão morrer e você e eu lideraremos a geração?’ Então D'us disse a eles: ‘Veremos quem vai enterrar quem!’”

Um Midrash Enigmático
Ora, essa história dos dois filhos de Aharon engendrou um Midrash enigmático. É assim: “Quando Job soube da morte dos dois filhos de Aharon, foi assolado por um medo enorme. Foi esse evento que obrigou o melhor amigo de Job, Elihu, a declarar: “Por causa disso meu coração estremece e salta do lugar.”

Este Midrash parece estranho. Por que o episódio Nadav-Avihu inspira medo tão profundo no coração do amigo de Job?

Rabi Chaim Yosef David Azulai, o sábio italiano do Século 18 e místico conhecido como o Chida, apresenta a base da seguinte interpretação desse obscuro Midrash. Ele a cita “em nome dos Sábios da Alemanha”.

Três Conselheiros
O Tamud relata que Job atuava na equipe de conselheiros do faraó, imperador do Egito. Os outros membros da equipe eram Balaam e Yitro. Quando a população judaica do Egito começou a aumentar significativamente, desenvolvendo-se de uma pequena família de setenta membros em uma grande nação, o faraó, abalado pelo temor de que este grupo refugiado representasse uma ameaça ao império, consultou seus três conselheiros sobre como lidar com o “problema judaico”.

Balaam escolheu uma abordagem tirânica. Sugeriu que o faraó afogasse todos os bebês do sexo masculino e forçasse todo judeu adulto ao trabalho escravo.

Job ficou em silêncio. Ele não condenou os judeus ao trabalho forçado nem à morte, nem defendeu seus direitos à vida e liberdade.

Yitro foi o único entre os três que objetou ao plano de opressão feito por Balaam. Para escapar da fúria do faraó, que entusiasticamente abraçou a “solução final” de Balaam, Yitro fugiu do Egito para Midian, onde viveu durante o resto de seus dias.

O Talmud relata as consequências do comportamento respectivo dos conselheiros. Balaam foi assassinado muitas décadas mais tarde durante uma campanha militar judaica no Oriente Médio. Job foi afligido por várias doenças e tragédia pessoal, ao passo que Yitro, a única voz da moralidade no palácio egípcio, mereceu não apenas Moshê como genro mas também descendentes que serviram como membros da Suprema Corte Judaica (Sanhedrin) em Jerusalém, representando lealmente os princípios judaicos da justiça e moralidade.

A Integridade de Job
O que passou pela mente de Job após esse incidente? Ele se considerou moralmente inferior ao seu colega Yitro que, num ato de enorme coragem, enfrentou um rei super-poderoso e protestou contra seu programa de genocídio? Job retornou para casa naquela noite e disse à esposa: “Descobri hoje que sou um político covarde que venderia a alma ao diabo apenas para manter sua posição no governo.”

Não.

Job, como tantos outros em situações similares, não pensou nisso sequer por um momento. Pelo contrário, Job se considerava pragmatista, e Yitro o idiota.

“O que Yitro ganhou ao falar toda a verdade?” Job deve ter pensado consigo mesmo. “Ele perdeu o cargo e foi forçado a fugir. Agiu como um zelote fanático. Eu, Job, ao empregar meus imensos talentos diplomáticos e permanecer em silêncio, continuo a atuar como conselheiro sênior do faraó e assim poderei ajudar o povo judeu, de maneira sutil e desempedida, de dentro das camadas do poder governamental.” Durante décadas, Job caminhou pelos corredores do palácio egípcio, saturado com uma sensação de auto-integridade e contentamento.

Até o dia em que ele soube da morte dos filhos de Aharon.

A Descoberta Abaladora de Job
Quando Job perguntou o que poderia ter causado a morte prematura daqueles dois homens estimados, recebeu a resposta com o famoso episódio talmúdico citado no início deste ensaio: “Aconteceu certa vez que Moshê e Aharon estavam caminhando pela estrada e Nadav e Avihu (filhos de Aharon) caminhavam atrás deles, e todo Israel estava caminhando atrás deles. Disse Nadav a Avihu: “Quando estes dois velhos morrerão e você e eu iremos liderar a geração?” Ao que D'us disse a eles: “Vocês verão quem vai enterrar quem!”

Job ficou estupefato. “Posso entender totalmente,” disse Job, “por que Nadav foi punido. Foi ele quem falou essas palavras nojentas. Mas por que seu irmão Avihu foi castigado? Ele não disse nada.”

“Avihu?” veio a resposta. “Ele foi punido porque permaneceu em silêncio. Porque quando um crime está acontecendo perante seus olhos, o seu silêncio é ensurdecedor.”
     
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