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  O Aniversário de Sheina
  Por Devorah Leah Mishulovin  
 

Hoje foi o aniversário de Sheina.

Esta manhã, antes de ela sair para a escola, eu lhe disse: “Sheina, hoje é o seu aniversário, e você tem treze anos.” Ela mostrou-me o número treze na linguagem dos sinais.

“Olhe, você vai ganhar um bolo de aniversário de chocolate, com flores e creme, do tipo que você gosta.” Ela demonstrou entusiasmo. “Você vai levar o bolo para a escola e dar um pedaço para Chris [sua amiga autista].” Ela sorriu. “E um pedaço para a Sra. Parker [a professora], para Jovanni [a ajudante], para Maria [sua sombra] e para todos da classe.” Ela assentiu; estava feliz. Isso era o principal.

E lá foi ela para sua escola especial. Eu me sentei, e fiz algumas preces adicionais por ela. Perguntei-me se ela chegava a entender o que é um aniversário, além do fato de ganhar um bolo gostoso.

Fui então para o meu quarto, fechei a porta e chorei. Chorei – pois Sheina é diferente. Uma vez por ano, quando tiro o dia para pensar e refletir sobre o passado, eu choro. Mereço este luxo, não é? Choro porque aos treze anos Sheina ainda precisa ser vestida, ainda usa fraldas. Ainda a alimento e dou banho, e isso é realmente, muito difícil!

Com os olhos ainda molhados, lembrei-me da conversa que tive com minha nova amiga, Sara, que me pediu para contar os desafios de viver com uma criança com necessidades especiais. Sem refletir, eu disse a ela: “Por que você me pediria para contar-lhe sobre os desafios de viver com uma criança com necessidades especiais? Vá perguntar a alguém que tenha desafios.”

(Eu estava pensando numa história sobre um homem que perguntou ao Baal Shem Tov (o primeiro mestre chassídico) como é possível cumprir a exigência de bendizer a D'us pelas coisas más assim como fazemos pelas boas, e aceitá-las com alegria, pra começar.

O Baal Shem Tov disse a ele para ir e fazer a mesma pergunta ao seu aluno, Reb Zusha de Anipoli, e que receberia uma resposta. Ao encontrar Reb Zusha, o homem observou mais sofrimento e provação do que jamais tinha visto. Reb Zusha era extremamente pobre, jamais tinha o suficiente para comer em sua própria casa. Sua família era assolada com todos os tipos de aflições e doenças, porém ele continuava bem humorado e alegre.

Quando o homem explicou o propósito de sua visita, Reb Zusha respondeu com um olhar perplexo: “Acho que deve ter havido um engano. Como eu poderia saber? O Rebe deveria ter enviado você a alguém que tenha passado pelo sofrimento.”)

Ora, não me entenda mal. Eu certamente devo ter desafios, conflitos, mas não necessariamente mais por causa de minha filha especial. Sempre digo que há “problemas dados por D'us” e embora tudo venha de D'us, existem “problemas criados pelo homem” – conflitos, confrontos e problemas que nós criamos.

Dar à luz uma criança “especial” é um “problema dado por D'us”. Aqueles problemas que simplesmente aceitamos. Aceitamos sem fazer cálculos. O que mais podemos fazer?

Sheina nos foi dada, simplesmente. Ela é diferente, não a criança típica à qual estamos acostumados. Porém sua alma é perfeita; nada pode sujá-la. Não temos nada a acrescentar.

Quando damos à luz uma criança “normal”, D'us diz: “Aqui está. Pegue-a e a molde um mentch! Faça o melhor que puder, molde e oriente.”

E nos esforçamos tanto, sem saber se estamos fazendo o certo, jamais sabemos como nossos esforços ou decisoes vão afetar esta criança. Aquilo que funcionou para um não necessariamente vai funcionar para o outro. Nós nos preocupamos e nos preocupamos (como se isso ajudasse).

Rezamos e rezamos. E então rezamos ainda mais. Desejamos o resultado perfeito. Então, que o Céu nos proteja, se a criança “não sai” como planejamos, não segue o nosso mapa, sai do caminho… então,, oh, como ficamos devastados! Ficamos envergonhamos, sentimos que falhamos.

Ora, este é o desafio.

Sheina, por outro lado, já chegou a mim totalmente moldada. Era alimentação que ela precisava. D'us disse: :Aqui está essa criança, leve-a para casa e tome um cuidado extra com ela, pois é especial.”

Portanto sim, embora ela tenha agora treze anos, ainda preciso banhá-la, alimentá-la, trocar suas fraldas, mas não tenho nenhuma das preocupações (ou aborrecimentos) com ela que tive com meus outros adolescentes. Não estou preocupado que ela se misture com maus amigos ou que chegue tarde em casa. Não preciso me preocupar que ela saia do caminho.

Sheina é não-verbal – sua limitada comunicação é feita através da linguagem dos sinais. Não haverá desaforos saindo de sua boca, nenhum desafio, nada de respostas malcriadas. Sua alma é pura.

Quando estamos em público, sim, ela fará coisas constrangedoras, barulhos esquisitos e atrairá a atenção. Porém a vergonha que sinto não é nada comparada à vergonha e ao profundo sofrimento que sinto quando meus outros “desafios” (também chamados de filhos) me desconsideram ou me enfrentam. Isso é algo pelo qual chorar.

Portanto enxugo as lágrimas, saio do meu quarto e continuo a viver. Pois estes são os altos e baixos normais da vida. É tudo parte de Tzaar Gidul Bonim, a angustia que vem com a criação dos filhos. À medida que eu pensava naquilo, perguntei-me se não seriam as minhas dores do crescimento…

Portanto se você me perguntar: quais são meus desafios vivendo com uma criança especial? Eu perguntarei a você quais são os desafios de levar sua vida “normal”? Serão realmente menores?

Tentamos dar a Sheina um dia realmente alegre. Ela teve uma festa com seus pratos favoritos. Cantamos “Feliz Aniversário” para ela, colocamos moedas extras na tsedaca, lemos algumas passagens da Torá. A voluntária dela veio e trouxe-lhe um novo esmalte de unhas, um arco-íris de cores. Ela ganhou um balão e dois jogos de memória novos.

Sheina ficou feliz. E eu também. Graças a D'us.


Devorah Leah Mishulovin é uma Engenheira Doméstica, vive em Los Angeles, CA. Em algum lugar entre a lavagem da louça e roupa, limpando a sujeira, organizando a bagunça, cozinhando e educando seus filhos – ela desafia os desafios.
 
 
       
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