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A leitura
de Chayê Sara (“A vida de Sarah”) começa contando
a história de sua morte, que aparece em muito da narrativa subsequente.
Isto evoca uma questão óbvia: Por que a leitura é
intitulada “A vida de Sara”?
Esta questão pode ser resolvida com base na declaração
de nossos Sábios 1“Yaacov, nosso Patriarca, não morreu”.
Apesar de ele ter sido enterrado, seus descendentes perpetuam seu legado
espiritual. E, assim, Yaacov ainda está vivo. O mesmo pode ser
verdade para qualquer individuo. O fundamental é o conteúdo
espiritual de nossas vidas, e não nossa existência física2.
Os limites da existência mortal não podem restringir essa
dimensão espiritual.
Esta é a mensagem oculta no nome desta leitura da Torá:
que a “árvore” espiritual de Sara continuou a dar frutos
muito depois de sua vida física ter terminado. Os três elementos
principais da leitura - a compra da Caverna de Machpelá, a missão
de Eliezer de encontrar uma esposa para Yitzchak, e o subsequente casamento
e a paternidade de outros filhos de Avraham - são parte do trabalho
contínuo do espírito de Sara.
Concentração e Objetividade
O que constituiu a essência do serviço Divino de Sara? Ela
era a esposa de Avraham. Ela alimentava o potencial dele, garantindo que
ele fosse aplicado da maneira mais benéfica possível.
Avraham distribuía bondade livremente, oferecendo hospitalidade
a todos os viajantes, mesmo aqueles que se curvavam à poeira de
seus próprios pés3. Ele dava generosamente, indiferente
se sua influência deixaria uma impressão duradoura. Sara,
ao contrário, (particularmente depois do nascimento de Yitzchak)
se esforçava para concentrar a influência de seu marido.
Ela procurava dirigi-la àqueles receptores que a expressariam em
santidade4.
Este padrão é refletido na prole de Avraham. Ele foi o pai
de vários filhos. Sara, ao contrário, só teve Yitzchak.
A generosidade ilimitada de Avraham fez com que ele considerasse digno
até mesmo a Yishmael. Depois de D’us contar-lhe do iminente
nascimento de Yitzchak, ele rezou5: “Que Yishmael viva perante Ti”.
Depois disso, apesar de D’us ter dito a Avraham6 :“Eu manterei
meu pacto com [Yitzchak] como um elo”, Avraham ainda amava a Yishmael7
e desejava educá-lo em sua família. Foi Sara que exigiu8:
“Mande embora esta serva e seu filho, pois [ele]... não herdará
junto com meu filho, com Yitzchak”. Sara entendeu que todos os membros
da família de Avraham precisavam ser indivíduos cuja conduta
refletisse a herança espiritual de Avraham.
Eretz Yisrael – Nossa Herança
Nestas bases, nós podemos apreciar a influencia de Sara sobre os
eventos descritos na leitura da Torá. Eretz Yisrael já havia
sido prometida a Avraham, mas a promessa ainda precisava ser realizada.
Foi pela compra da Caverna de Machpelá, obviamente associada com
Sara, que Eretz Yisrael tornou-se uma herança eterna para o Povo
Judeu. Pela primeira vez, foi dada expressão à natureza
espiritual de nossa terra sagrada.
Existe também uma dimensão mais profunda. Nossos Sábios
declaram9 que Adam e Chava, ancestrais de toda a raça humana, também
foram enterrados em Machpelá. Assim, antes do enterro de Sara,
a Caverna de Machpelá compartilhava uma conexão com a humanidade
como um todo. O enterro de Sara lá, em continuação
à determinação que ela exibiu por toda sua vida,
estabeleceu o local como uma herança exclusiva do povo Judeu.
Uma Esposa Para Yitzchak
Da mesma forma, em relação ao casamento de Yitzchak e Rivkh,
foi o fato de as virtudes espirituais de Sara terem sido refletidas em
Rivka que a destinaram a Yitzchak. Quando ele viu que suas velas queimavam
de Shabat a Shabat, que sua massa de chalá crescia de uma forma
especial, e que uma nuvem de glória flutuava sobre sua tenda10,
ele soube que o trabalho de uma vida de sua mãe não tinha
acabado. Foi, então, que “Yitzchak foi consolado”11.
Além disso, toda a narrativa da jornada de Eliezer e a seleção
de Rivka reflete a iniciativa de Sara, assegurando que a esposa escolhida
para Yitzchak serviria como um canal apropriado para as bênçãos
da família de Avraham. Por este motivo, apesar de Eliezer ser um
servo devotado e um diligente discípulo de Avraham, quando ele
ofereceu sua própria filha como noiva para Yitzchak, Avraham recusou12.
A esposa de Yitzchak tinha de vir das mesmas raízes que tornaram
possíveis o propósito e a bondade espirituais concentrados
exemplificados por Avraham e Sara13.
O Herdeiro de Avraham
Mesmo o elemento final da leitura da Torá, o fato de Avraham ter
tido outros filhos, mostra a influência de Sara. Pois, apesar de
Avraham ter sido pai destas crianças, “ele deu tudo que tinha
a Yitzchak”14. Aos outros filhos, “ele deu presentes e, enquanto
ainda estava vivo, ele os enviou em direção ao leste, para
as terras do oriente, longe de seu filho Yitzchak”15. Respondendo
à contínua influência de Sara16. Avraham assim demonstrou
que ele considerava Yitzchak sozinho seu verdadeiro herdeiro. Além
disso, mesmo Yishmael reconheceu esta distinção e, no enterro
de Avraham, deu prioridade a Yitzchak, apesar de ser mais velho que este.
Ao reconhecer que era Yitzchak quem era obrigado a enterrar Avraham, ele
enfatizou o fato de que Yitzchak era aquele que perpetuaria a herança
espiritual de Avraham.
Esta foi a contribuição de Sara. Foi ela quem, quando Yishmael
se gabou de ser o primogênito e, assim, merecer uma porção
dupla da herança de Avraham17 garantiu que ele entendesse que Yitzchak
era o único herdeiro de Avraham.
Influência Permanente
O nome Sara em hebraico está associado à palavra hebraica
"domínio”18. Pois o trabalho da vida de Sara foi o de
mostrar a supremacia do espírito de Avraham e revelar que o propósito
de sua existência era o de expressar aquele espírito. Sua
morte não terminou com a sua influência. Como os eventos
na leitura da Torá indicam, sua “árvore” continuou
a dar frutos; ela era possuída de uma vida verdadeira.
Os atos que uma pessoa pratica na vida precipitam outros19. Assim, a bondade
com que alguém favorece sua família e o meio à sua
volta cria uma dinâmica permanente em direção à
bondade. E esta dinâmica continua a dar frutos depois do falecimento
da pessoa, ajudando a aumentar a bondade e a virtude no mundo até
a chegada da Era da Redenção, quando estas forças
impregnarão toda a existência.
Notas
1. 1. Taanis 5a.
2. 2. Ver Igueres HaKodesh, Epístola 27. Apesar das declarações
do Alter Rebbe se aplicarem aos tsadikim, assim é porque um tsadik
percebe o potencial e devota sua vida a estes objetivos espirituais.
3. 3. Rashi, Bereshit 18:4.
4. 4. Ver Or HaTorah, Chayê Sara 120a ff baseado em Bava Basra 58a.
5. 5. Bereshit 17:18.
6. 6. Ibid.: 19.
7. 7. Veja o comentário de Rashi sobre Bereshit 22:2, que afirma
que, do ponto de vista de Avraham, a frase “teu filho, teu único
filho a quem tu amas” também poderia ter se referido a Yishmael.
8. 8. Op. cit. 21:10.
9. 9. Eruvin 53a.
10. 10. Rashi, Bereshit 24:67; Bereishis Rabbah 60:15. Estes três
sinais refletem as três mitsvot concedidas às mulheres: o acendimento
das velas de Shabat, a separação da chala (e, por extensão,
todo as regras da cashrut), e a prática de Taharat Hamishpachá
(as orientações da Torá sobre a vida conjugal). Ver
Likutei Sichos, Vol. XV, p. 163ff.
11. 11. Bereshit, loc. cit.
12. 12. Rashi, Bereshit 24:39, Bereshit Rabbá 59:9.
13. 13. Além disso, ele precisaria mostrar estas virtudes em sua
conduta. Isto explica o sinal escolhido por Eliezer: atos de hospitalidade.
Isto mostraria que a jovem seria uma esposa adequada a Yitzchak e adequada
para assumir suas funções na família de Avraham (Rashi,
Bereshit 24:14).
14. 14. Bereshit 25:4.
15. 15. Ibid. :5.
16. 16. ver o brilho do Baalei Tosafos e o Kli Yakor.
17. 17. Ver Rashi, Bereshit 21:10, Bereshit Rabbá 53:11.
18. 18. Ver Rashi, Bereshit 17:15, Berachos 13a.
19. 19. Assim, nossos Sábios (Sanhedrin 104a) comentam que, quando
uma pessoa traz mérito aos outros, o mérito gerado posteriormente
por aqueles que o recebem também é creditado a ela, pois ela
é a fonte desta bondade. |