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  Uma Moradia Entre Mortais
 
Uma Contradição de Termos
 

Na inauguração do Beit Hamicdash, o Rei Salomão exclamou admirado 1: “Será que D’us habitará de fato nesta terra? Os céus e as alturas celestiais não podem conter a Ti, muito menos esta casa!”. Pois o Beit Hamicdash não era meramente um local centralizado para a adoração de D’us pelo homem, era um lugar onde a Presença de D’us estava e está 2 manifestada3. Apesar de “toda a terra estar repleta de Sua Glória” 4, a Presença Divina não é sentida de forma tangível. Ela permeia toda a existência, mas de forma oculta5. O Beit Hamicdash, ao contrário, era “o lugar que Ele escolheu para fazer Seu nome habitar” 6. Não havia ocultação; Sua Presença era manifestada abertamente.

Isto parece impossível; não existe nenhuma forma aparente com que a espiritualidade possa ser abertamente manifestada em nosso mundo material. Pois, para que a existência material possa existir, D’us condensou e contraiu Sua luz e energia-vital para que elas pudessem ser revestidas nas entidades materiais. Isto é absolutamente necessário; se a luz Divina fosse revelada sem restrição, ela anularia toda a matéria.

Para permitir que nosso mundo continue a existir de uma forma estável, D’us estruturou este processo de autocontenção com leis e princípios tão aglutinadores quanto aqueles governando a natureza. Ele criou toda uma estrutura de mundos espirituais cujo propósito é o de transmitir a energia Divina de nível em nível até que ela experimente o grau de contração necessário para ser revestida na forma material. Um revelação aberta da Divindade corre ao contrário de todo este padrão, desafiando os limites que Ele mesmo estabeleceu.

No entanto, apesar de D’us ter limitado a extensão de Sua revelação ao estruturar o mundo, Ele não limitou a Si mesmo. Ele criou um mundo com limites definidos, mas Ele próprio não é limitado por eles e pode alterá-los conforme a Sua vontade. Ele pode investir Sua Presença em nosso mundo material e assim o fez no Santuário e no Beit Hamicdash.

Na Câmara Interna de D’us
A Presença Divina foi revelada no Kodesh HaKodashim (“Santo dos Santos”), onde um milagre contínuo refletia a natureza da revelação no Beit Hamicdash. A largura do Kodesh HaKodashim era de 20 amot (cúbitos). A Arca do Pacto, posicionada ao comprido na câmara, tinha 2,5 amot de comprimento, mas, ainda assim, havia 10 amot a partir de cada borda da Arca até a parede. Em outras palavras, a arca física não ocupava nenhum espaço!7

No Beit Hamicdash, a medição perfeita era uma necessidade. Mesmo um pequeno desvio nas dimensões necessárias tornaria um artigo ou um prédio inválido. O fato de que o local da Arca transcendia os limites do espaço representa, assim, uma fusão da finitude com a infinitude. Isto comunica a natureza do Ser Divino. Ele transcende tanto a finitude quanto a infinitude, mas, mesmo assim, manifesta a Si próprio em ambas8.

Esta é a intenção da Torá ao falar de D’us “escolhendo um lugar para que Seu nome habitasse”: Os limites físicos de nosso mundo não serão negados, mas o espiritual será revelado. E esta fusão de opostos permitirá que tenhamos consciência de Sua essência, a qual transcende e engloba tanto o físico quanto o espiritual.

Com o Quê o Homem Contribui

D’us não queria que esta revelação dependesse somente de Sua influência. Como refletido no versículo9: “E vós fareis para Mim um Santuário e Eu habitarei nele”, Ele escolheu fazer a revelação de Sua Presença dependente da atividade do homem. Já que qualquer revelação da Presença de D’us transcende os limites de nossa existência, a iniciativa deve vir d’Ele. Entretanto, “D’us não fez Sua Presença pousar sobre Israel até que eles tivessem trabalhado”10, construindo o Santuário onde Sua Presença habitaria.

Por que a atividade do homem era necessária?

Porque a intenção de D’us é que a revelação de Sua Presença seja internalizada dentro do mundo, tornando-se parte da malha de sua existência. Se a revelação viesse somente de cima, ela simplesmente anularia a materialidade. Para citar um paralelo: quando D’us revelou a Si mesmo no Monte Sinai, o mundo ficou paralisado. “Nenhum pássaro cantou... nenhum boi bramiu, nem o mar rugiu”11. Apesar da Divindade ter sido revelada dentro do mundo, a existência material não teve nenhuma contribuição.

Quando, ao contrário, a moradia para D’us é construída pelo homem - ele próprio parte do mundo material - a natureza dos materiais é elevada. Isto permite que a Presença de D’us seja revelada dentro destas entidades enquanto elas continuam a existir dentro de seu próprio contexto.

Quando uma revelação da Divindade vem de cima, ela é dependente da Sua influência e é, portanto, temporária. Por exemplo, quando D’us desceu sobre o Monte Sinai, a montanha se tornou sagrada e, assim, “tudo que subir a montanha deverá morrer”12. Quando, entretanto, a Presença Divina foi retirada da montanha, os judeus puderam subi-la13, pois a natureza fundamental da montanha não tinha mudado; ela continuou sendo uma montanha comum.

Em relação ao Santuário e, mais ainda, ao Beit Hamicdash, a santidade se tornou uma parte permanente de suas próprias existências. E, assim, sobre o versículo14: “Eu trarei destruição aos vossos Santuários”, os Sábios comentaram15: “Mesmo que eles tenham sido devastados, sua santidade permanece”. E, portanto, é proibido subir ao local do Beit Hamicdash nos tempos atuais.

Duas Fases
Os conceitos acima são enfatizados pelo nome da leitura da Torá. Terumá 16, que significa “elevação”17 ou “separação”18, coloca o foco nas tentativas do homem de estabelecer uma moradia para D’us. A Torá segue afirmando19 que esta terumá deve envolver 13 artigos diferentes20: ouro, prata, metal... Isto indica que a tarefa do homem é incorporar os vários elementos da existência material na moradia de D’us21.

Mais particularmente, a dupla interpretação do nome Terumá reflete dois fatores necessários na criação de uma moradia para D’us. Primeiro, uma pessoa deve designar seu presente, separando-o de seus outros bens materiais. Então, através de sua consagração, sua natureza se torna elevada acima do plano material ordinário22.

Estas duas fases se relacionam aos dois serviços mencionados no versículo23: “afaste-se do mal e faça o bem”. Quando alguém prepara uma moradia para um rei, ele primeiro precisa limpá-la. Depois, ele traz enfeites24. Da mesma forma, para transformar nosso mundo numa moradia para D’us, “separação” é necessária para purgar o egocentrismo encorajado pela existência terrena. Somente então o mundo será “elevado”, tornando-se um meio de trazer para baixo a luz de D’us.

Não Uma Ilha
O Beit Hamicdash não foi concebido para ser um canto isolado de santidade. Em vez disso, suas janelas eram desenhadas para espalhar luz para fora25, pois a santidade do Beit Hamicdash tinha o propósito de iluminar o mundo.

A mais completa expressão deste conceito virá na Era da Redenção26. Da “montanha da casa de D’us”27, se espalharão luz e santidade, motivando todas as pessoas a aprenderem os caminhos de D’us e a “andarem em Suas trilhas” 28.

Estas revelações dependem de nossos esforços para encorajar a manifestação da Presença Divina. Tornar nossos lares e nossos arredores “santuários no microcosmo”29 fará com que D’us revele Sua Presença no mundo.


Notas
1. I Reis 8:27.
2. Pois mesmo na época atual, enquanto o Beit Hamicdash está destruído, a Presença de D’us repousa sobre o seu local. Ver Rambam, Mishnê Tora, Hilchos Beis HaBechirá 6:16.
3. Ver o ensaio intitulado “G-d’s Chosen House” em Seek Out the Welfare of Jerusalem (S.I.E., N.Y., 1994), onde estes conceitos são explicados.
4. Yeshayahu 6:3.
5. Em termos humanos, a ocultação significa que um objeto está obscurecido por outro. Em relação a D’us, não há nada que possa ocultá-Lo. Em vez disso, Sua ocultação é um ato voluntário de Sua parte. Ver o maamar Adam Ki Yakriv na série de discursos intitulados Yom Tov Shel Rosh HaShaná, 5666.
6. Devarim 12:11.
7. Yoma 21a.
8. Ver o ensaio intitulado “A Dwelling Place for G-d in Our World” em Seek Out the Welfare of Jerusalem (S.I.E., N.Y. 1994), que elabora sobre este conceito.
9. Shemot 25:8.
10. Avos d’Rabbi Nosson, cap. 11.
11. Shmos Rabbah 29:9.
12. Shemot 19:12.
13. Ibid.: 13.
14. Vayikra 26:31.
15. Megilá 28a.
16. A escolha da palavra Terumá como o nome da leitura da Torá é importante porque ela está mais distante do início da leitura que a maioria dos outros nomes escolhidos.
17. Zohar, Vol. II, p. 147a.
18. Rashi, Targum Onkelos, e outros comentando sobre o versículo inicial da leitura da Torá.
19. Shemot 25:3-7.
20. Isto segue a interpretação de Rashi (Shemot 25:2), Rabeinu Bachaye e outros consideram 15 itens doados ao Santuário.
21. Estes conceitos indicam uma sequência nas leituras de Yitró, Mishpatim e Terumá. Yitró focaliza a Entrega da Torá, quando a divisão entre o físico e o espiritual foi anulada. Mishpatim reflete a extensão da ligação entre o espiritual e o físico na razão humana. Além disso, ela nos oferece orientações para uma vida espiritual dentro do mundo material. Com a ordem para a construção do Santuário, Terumá representa a consumação do processo, a transformação da existência material em uma moradia para D’us.
22. Este conceito tem ramificações haláchicas. Uma vez que um objeto seja consagrado, ele não pode mais ser usado para propósitos mundanos. O conceito da elevação que resulta da transferência de um artigo para o Santuário é refletido em Bereshit 23:20 que declara: “E o campo de Efron em Machpelá elevou-se para Avraham”. Rashi explica que a palavra “elevou-se” é usada porque, através da transferência, o campo se tornou elevado, afastando-se da propriedade de uma pessoa comum e entrando na posse de Avraham.
23. Salmos 34:15.
24. Likutei Torá, Balak 70c.
25. Menachos 86b, Vayikra Rabá 31:7. Ver o ensaio intitulado “The Design of the Menorah ” em Seek Out the Welfare of Jerusalem, onde este conceito é explicado.
26. Ver o Maamar intitulado Gadol Yiheyeh Kavod HaBayis HaZeh em Anticipating the Redemption (S.I.E., N.Y., 1994).
27. Yeshayahu 2:2.
28. Ibid.: 3.
29. Yechezkel 11:6; ver o ensaio sobre este título em Sound the Great Shofar (Kehot, N.Y., 1992).

     
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