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O termo Chukim se
refere àquelas mitzvot cujo fundamento lógico não
pode ser compreendido pelo intelecto humano. Dentro desta categoria, entretanto,
as leis da Vaca Vermelha se destacam como especiais. Assim, o Midrash1
cita o Rei Salomão (sobre quem está escrito2: “E Shlomo
foi mais sábio que todo homem na face da terra”): Eu fui
capaz de compreender todas as [outras passagens difíceis da Torá],
mas, em relação à passagem da Vaca Vermelha, eu perguntei
e eu procurei; “Eu disse: ‘Eu me tornarei sábio’,
mas eu [vi] que isto estava distante de mim”.3
De fato, foi somente em relação a Moisés que o Midrash4
afirma: “O Santo, bendito seja Ele, disse a Moisés: ‘Para
ti [somente] eu revelarei a lógica da Vaca Vermelha’”.
Por um lado, essas citações indicam que as leis da Vaca
Vermelha não transcendem inteiramente os domínios do intelecto,
pois a Moisés foi concedido um entendimento de sua lógica.
Todavia, a explicação obviamente transcende o conhecimento
comum e, assim, não podia ter sido percebido por Shlomo, nem Moisés
a comunicou aos outros5. De fato, mesmo a apreciação de
Moisés não veio como um resultado de seus próprios
poderes de compreensão. Como o Midrash afirma6: “É
um chukat, um decreto que Eu ordenei. Nenhum ser criado é capaz
de compreender Meus decretos”.
Por que Moisés foi capaz de captar essa lógica? Porque a
ele foi concedido um dom especial de D'us. D'us é onipotentemente
capaz de fundir transcendência com limitação e foi
por virtude dessa onipotência que Moisés foi capaz de apreciar
a explicação.
Tocar a Essência da Torá
Surge a questão: Por que a resposta foi dada somente a Moisés?
Se apreciar a lógica da Vaca Vermelha pudesse nos ajudar em nosso
serviço Divino, por D'us ou Moisés não a compartilharam
com os outros?
A resposta depende de observarmos a natureza da Torá. A Torá
é uma com D'us 7, uma expressão de Sua vontade essencial.
Portanto, assim como Sua vontade está acima da compreensão
intelectual, também está a Torá. Entretanto, D'us
deu a Torá aos mortais, não porque Ele deseja sua obediência,
mas porque Ele está preocupado com o seu bem-estar. Ele quer que
o homem desenvolva uma conexão com Ele e, para que aquela conexão
seja internalizada na compreensão do homem, então a sabedoria
Divina se torna parte de sua composição. E, com esta intenção,
Ele revestiu a Torá com uma estrutura intelectual.
Esta dimensão intelectual é, entretanto, meramente uma extensão
da Torá. A essência da Torá permanece Divindade transcendental
e não pode ser contida dentro de quaisquer limites, mesmo os limites
do intelecto. Para se relacionar a esta essência, o homem deve se
aproximar da Torá com um compromisso que transcende a sabedoria
ou a lógica.
Para enfatizar esta dimensão, foi necessário que pelo menos
uma parte da Torá permanecesse inteiramente acima da compreensão
intelectual. Esta é a passagem que descreve as leis da Vaca Vermelha.
Essas leis, que transcendem nosso entendimento, nos ajudam a entender
que toda a Torá, em sua essência, também está
além de nossa compreensão. Isto, por sua vez, aumenta nossa
sensibilidade ao seu núcleo interior Divino.
Tivesse sido toda a Torá revestida pela razão, o homem seria
motivado a confiar em seu próprio entendimento e teria dificuldade
em se elevar a um desafio que requer mesirus nefesh, auto-sacrifício.
De fato, limitar nosso comprometimento espiritual à esfera intelectual,
encorajaria a inclinação natural e material do homem. Haveria
uma tendência de seguirmos nossos desejos e de racionalizarmos nossa
conduta, mesmo quando eles estivessem faltando8. Sem assumir um compromisso
ilimitado com a Torá, o homem não seria capaz de se relacionar
à sua ilimitada verdade.
As leis da Vaca Vermelha, entretanto, nos enchem com uma consciência
da natureza ilimitada da Torá, incentivando-nos a nos devotarmos
inteiramente à Torá, tanto à sua observância,
quando ao seu estudo9. Tornar-se consciente da natureza Divina interior
da Torá desperta a natureza Divina interior de nossas almas, permitindo-nos
desenvolver uma ligação mais completa com Ele.
Para ressaltar a especial contribuição representada pelas
leis da Vaca Vermelha, a Torá se refere a elas como chukas haTorah
(“o decreto da Torá”) 10, em vez de chukas haporah
(“o decreto da Vaca [Vermelha]”)11. O uso da primeira expressão
enfatiza que nossa conexão com toda a Torá depende de um
comprometimento que transcende o intelecto.
Um Ego Abnegado
Esta resposta, entretanto, leva a uma outra questão. Se considerar
as leis da Vaca Vermelha como um chok é essencial à nossa
abordagem da Torá, por quê D'us revelou sua lógica
a Moisés? De acordo com o raciocínio acima, isto diminuiria
o comprometimento do Moisés.
Para resolver este enigma, nós devemos concluir que a explicação
para chok não foi dada de uma forma que pudesse ser alcançada
pelo intelecto de Moisés. Em vez disto, a vontade essencial de
D'us foi revelada dentro do pensamento de Moisés. Aquilo que não
pode ser entendido se torna, assim, a pedra fundamental de seus poderes
intelectuais.
Explicando: Moisés representava a personificação
de chochmá, geralmente traduzida como “sabedoria”.
Mas, existe uma diferença entre chochmá e nosso conceito
comum de sabedoria.
Toda conceitualização é composta de dois elementos:
a) a própria ideia, e b) o processo de abrirmos a nós mesmos
para aquela ideia, progredindo para além da nossa forma prévia
de pensamento. chochmá está relacionada ao segundo elemento
e, assim, é identificada com bittul, existência abnegada12.
Este bittul faz da chochmá um recipiente apropriado para o Ein
Sof, o infinito de D'us13. E este processo espiritual de fazer o Ein Sof
repousar dentro da chochmá é o que aconteceu quando D'us
tornou conhecido por Moisés o raciocínio para as leis da
Vaca Vermelha.
Por este motivo, conhecer o raciocínio não afastou do comprometimento
de Moisés. Diferentemente de outros mortais, Moisés não
tinha uma auto-imagem separada, individual; ele viu a si mesmo somente
como um meio de expressão da Verdade de D'us. Mesirus nefesh foi
a essência de sua natureza e, por isso, nunca podia ser diminuída.
Na Era da Redenção, o Mashiach oferecerá a décima
Vaca Vermelha, purificando primeiro os sacerdotes e, através deles,
toda nação14. E, então, nós prosseguiremos
em nosso serviço Divino para a época quando a purificação
do contato com os mortos, possibilitada pela cerimônia da Vaca Vermelha,
não mais será necessária. Pois “Ele engolirá
a morte por toda a eternidade” e a Divindade, a fonte de toda a
vida, será abertamente revelada durante toda a existência.
NOTAS
1. I Reis 5:11.
2. Eclesíastes 7:23.
3. Loc. cit.:6; Midrash Tanchuma, seção. 8.
4. Além disso, nós encontramos que pilpulei d’oraisa,
o processo do raciocínio didático pelo qual a Lei Oral é
explicada, também foi dada a Moisés como um presente de
D'us. Neste caso, entretanto, Moisés ensinou este método
a todo o Povo Judeu (Nedarim 38a). O fato de que ele não ensinou
A lógica da Vaca Vermelha indica, assim, que ele não era
não era capaz, já que isto representa um nível intelectual
inacessível aos outros.
5. Koheles Rabbah 8:1 (5).
6. Zohar I, p. 24a; Tanya, cap. 4
7. Ver o comentário do Rambam (Shemot 19:2) que fala sobre a possibilidade
de ser “um degenerado com uma licença da Torá”.
8. Ver o ensaio anterior, intitulado “Real Growth”, que explica
como a apreciação de Bechukosai da dimensão de chukim
na Torá nos inspira a “nos ocuparmos do estudo da Torá”,
para aplicarmos a nós mesmos de forma árdua, além
dos nossos limites comuns.
9. Bamidbar 19:2.
10. Em referência às leis do sacrifício de Pessach,
por exemplo, está escrito (Shemot 12:43): “Esta é
chukas haPesach (o decreto do sacrifício de Pessach)”.
11. Ver Tanya, cap. 3.
12. Tanya, cap. 35.
13. Rambam, Mishneh Torah, Hilchos Parah, conclusão do cap. 3..
14. Yeshayahu 25:8.
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