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  Por Quê Adam Não Se Conteve?  
 
Por Eli Touger
 

Adaptado dos ensinamentos do Rebe
(Sichos Simchas Torah, 5723)

A Parashá Bereshit é lida no final do mês de Tishrei (o primeiro mês do ano novo) e contém orientações para o próximo ano.

Dos conceitos que ela menciona está o primeiro mandamento de D'us: a ordem a Adam de não comer da Árvore do Conhecimento. É evidente no Midrash1 que esta ordem se aplicava somente ao dia após a criação de Adam. De fato, quando consideramos os eventos que ocorreram no sexto dia da criação, parece que o mandamento deveria durar somente três horas. A ordem de D'us foi dada na nona hora depois do raiar do dia2. Três horas depois, o dia iria terminar, o primeiro Shabat começaria, Adam não pode se conter e violou o mandamento de D'us.

Surge a questão: "Adam foi formado pelas mãos do próprio Santo, bendito seja Ele"3 e ouviu esta proibição diretamente d'Ele. Como é possível que ele não tenha sido capaz de se conter por apenas três horas?

É verdade que muitos segredos místicos estão associados com este pecado, mas toda narrativa bíblica também deve ser entendida em um sentido literal4.

Por quê Adam passou dos limites?

O Foco do Yetzer Hara
A resposta fica clara quando percebemos que toda a intenção do yetzer hara (a má inclinação) é fazer com que a pessoa faça o oposto do que D'us quer. Todos os argumentos oferecidos pelo yetzer hara para convencer a pessoa a transgredir uma proibição, ou não praticar uma mitsvá, tem um motivo: que a pessoa desobedeça a vontade de D'us.

Existem situações (seja por causa do individuo envolvido, por causa do lugar, ou por causa do momento)5 no qual a prática de uma mitsvá tem uma especial importância. Nestas situações, o yetzer hara faz um esforço especial. Apesar de que, na verdade, estas mitsvot podem ser facilmente executadas, já que sua prática é de grande importância, o yetzer hara apresentará todos os tipos de questionamentos e razões com a intenção de afastar a pessoa do cumprimento da vontade de D'us.

Existem momentos em cada um de nós pode "ouvir a voz" de nossa má inclinação para nos persuadir desta maneira. Certos aspectos da prática da Torá e suas mitsvot devem logicamente ser mais fáceis de praticar do que outras. E também existem momentos quando uma pessoa sente que são, na verdade, estes assuntos "fáceis" que apresentam o maior desafio. Como está explicado acima, é precisamente em relação aos assuntos que são mais relevantes para a pessoa que o yetzer hara apresenta os maiores desafios.

O peso haláchico das questões envolvidas não é importante. Existem momentos em que o assunto que apresenta um desafio é rabínico na origem, ou meramente ditado pelos costumes judaicos, enquanto uma mitsvá de origem escritural será muito mais fácil de ser praticada. E, ainda assim, onde o bem estar espiritual da pessoa é considerado, a mitsvá rabínica ou o costume podem ser mais importantes (naquele momento).

Para nos referirmos a um conceito paralelo: o pensamento chassídico interpreta a citação6: "Em relação à [prática de] qual [mitsvá] seu pai era mais cuidadoso?" como significando que toda alma tem mitsvot especiais que estão mais relacionadas com a sua missão neste plano material do que outras7. Já que o yetzer hara sabe que estas mitsvot são mais importantes, ela apresenta maiores obstáculos para a sua prática.

Neste sentido, nós podemos explicar as declarações dos Sábios8: "Sempre que alguém for maior que um colega, seu yetzer hara é maior do que ele". Quanto maior é uma pessoa, mais importantes são as mitsvot que ela pratica. E, portanto, o yetzer hara apresenta para ela maiores desafios.

(Também existe outra explicação para este conceito. Para permitir o livre-arbítrio, os poderes da santidade devem estar igualmente equilibrados com as forças que se opõem à santidade. Já que ele é "maior que seu colega", isto é, lhe foi concedido poderes maiores no mundo da santidade, "seu yetzer hara é maior do que ele", seu yetzer hara é também dotado de maior poder.)

Com base nisto, nós podemos entender porque Adam comeu da Árvore do Conhecimento. Já que ele foi "moldado pelas mãos do próprio Santo, bendito seja Ele", ele era "maior que seu[s] colega[s]" e, assim, "seu yetzer hara (era) maior do que ele". Isto é particularmente verdade já que a ordem de não comer da Árvore do Conhecimento tinha implicações muito mais abrangentes como refletido na extensão da descida sofrida por Adam e todos os seus descendentes como resultado de seu pecado. Portanto, o yetzer hara, que revestia a si mesmo na serpente9, debateu com Adam com todo a sua força e o compeliu a pecar.

Com Quem D'us Falou?
Quando D'us deu a Torá para o Povo Judeu, Ele fez com que Moshé falasse primeiro às mulheres sobre o entrega da Torá. Por quê? Nossos Sábios explicam 10 que D'us queria evitar a recorrência do que tinha acontecido com a Árvore do Conhecimento, quando Adam - e não Chava – foi quem ouviu o mandamento de D'us.

Isto tornou possível o pecado. A criação de Chava foi obra das mãos de D'us, como está escrito11: "E D'us fez a costela...". No entanto, já que ela não tinha ouvido a ordem do próprio D'us, ela errou ao aumentar a a abrangência da proibição de D'us, afirmando que a ela também envolvia a ordem de não tocar na árvore assim como não partilhar dela. Foi sua adição que levou ao Pecado da Árvore do Conhecimento12.

Se Chava tivesse ouvido a ordem de não partilhar do fruto da Árvore do Conhecimento diretamente de D'us, ela não teria sido enganada pela serpente e teria evitado que Adam pecasse, apesar de todos os desafios apresentado pelo yetzer hara, como refletido da declaração de nossos Sábios em relação à entrega da Torá13.

Construindo um Santuário no Microcosmo
O próprio nome "Torá" está relacionado à palavra horoah, que significa "instrução"14. Como mencionado acima, as história relatadas na Parashá Bereshit nos provêem com instrução para nosso comportamento durante o ano. Da mesma maneira, o conceito explicado acima nos provê com uma diretiva em relação à conduta de um lar judaico.

Todo lar judaico é "um santuário no microcosmo"15, sobre o qual D'us diz: "Eu morarei lá dentro"16. A conduta do lar depende da mulher, referida na Torá como "suporte principal do lar"17. Ela deve, portanto, ser encorajada a adicionar energia e satisfação às suas práticas judaicas. Este encorajamento deve ser dado com a compreensão de que "os caminhos [da Torá] são caminhos agradáveis, e todos seus caminhos são paz"18, em vez de por meios de ordens autocráticas.

Esta abordagem protegerá toda a sua família, inclusive seu marido, de obstáculos. Como afirmado acima, se Chava tivesse ouvido a ordem do próprio D'us, não só ela não teria criado uma complicação ao pecar ela mesma, mas ela teria evitado que Adam fosse influenciado pelas propostas da serpente.

Assim, a fundamentação da atividade de Torá de toda pessoa deve começar dentro de seu próprio lar. Como o Rebe Rashab disse uma vez19: Assim como colocar o tefillin todos os dias é um mandamento das Escrituras que recai sobre todo homem judeu, seja ele um renomado estudioso da Torá ou uma pessoa simples, também existe uma obrigação para que todo judeu gaste meia hora por dia pensando sobre a educação de seus filhos. Ele deve fazer tudo o que lhe for possível e, de fato, mesmo coisas que estejam além de seus poderes para garantir que seus filhos sigam o caminho que ele os guiar.

Esforços para aumentar o envolvimento da Torá das mulheres judias também terá um efeito benéfico nos homens judeus. Isto garantirá que os pensamentos, palavras e atos de uma esposa não contrariem àquelas de seu marido, mas que ela o ajude e complemente em todas as coisas20, contribuindo com biná, entendimento, para o lar. Como nossos Sábios comentam21: "Uma dimensão maior de biná foi dada às mulheres do que aos homens".

Uma esposa ativa em Torá afetará todo a sua casa, tornando-a adequada para o repouso da Presença Divina. Isto é refletido na benção do casamento22: "Conceda alegria abundante para [aqueles], como tu concedeste sobre Tuas criaturas no Jardim do Éden como antes".

Por que o termo mikedem, "como antes", foi incluído na benção? Todos sabem que a história de Adam e Chava aconteceu muito anos atrás. A benção, entretanto, se refere ao tempo "antes" do momento do Pecado.

Nós estamos, portanto, desejando que todo novo casamento seja como a ligação entre Adam e Chava antes do Pecado, quando cada um ajudava ao outro. Isto permitirá que o lar seja conduzido de uma maneira adequada para hospedar a Presença Divina. E, então, haverá alegria, como a que "Tu concedeste às Tuas criaturas no Jardim do Éden- mikedem - como antes".


NOTAS
1. Ver Bereishis Rabbah 21:7. ver também o comentário do Sifsei Cohen sobre esta leitura da Torá e a explicação dada em Likkutei Torah, no início da Parshas Kedoshim.
2. Sanhedrin 38b.
3. Ver Bereishis Rabbah 24:5.
4. Shabbos 63a.
5. Ver Sanhedrin 97a em relação ao lugar chamado de Kushta. Ver também Likkutei Dibburim, Vol. I, Sichas Yud-Tes Kislev, 5693, seção 5 (Eng. Vol. I, p. 35).
6. Shabbos 118b.
7. A palvra hebraica usada para "cuidadoso" acima é ????¨ que se relaciona à palavra ??? que signifca "brilhar". A mitzvah serve como um meio que permite à alma da pessoa de brilhar.
8. Sukkah 52a.
9. Ver Zohar, Vol. I, p. 35b; Pirkei d'Rabbi Eliezer, cap. 13.
10. Shemos Rabbah 28:2.
11. Bereishis 2:22.
12. Como explicado em Bereishis Rabbah 19:4, citado no comentário de Rashi, Bereishis 3:3, a cobra a empurrou até que ela tocou a árvore, e então disse a ela: "Veja, assim como tocar não envolve uma punição, comer também não".
13. Ver também Sanhedrin 109b-110a.
14. Zohar, Vol. III, p. 53b.
15. Cf. Yechezkel 11:16.
16. Shemot 25:8. ver o maamar Basi LeGani , 5710 que desenvolve o conceito da moradia Divina dentro de cada individuo judeu.
17. Tehillim 113:9 usa a expressão akeres habayis, "a senhora da casa". Nossos Sábios interpretam isto como significando ikro shel bayis, "o suporte principal da casa".
18. Mishlei 3:17. Ver Gittin 6b.
19. HaYom Yom, 22 de Tevet.
20. Ver Yevamos 63a.
21. Niddah 45b.
22. Siddur Tehillat HaShem, p. 410.

 

 

 
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